quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

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Os Ciganos - Capítulo XIX

Na esquina onde ficava a loja, Miguel e Sara pararam e deixaram Reika seguir sozinha.

– Ei! Por que pararam? Vamos. – insistiu Reika.

– Não amiga. Vai que esperamos aqui. – falou Miguel.

– Está bem! Vou lá e já volto.

Fiquei com eles conversando.

Reika entendia porque os dois amigos não entravam em lojas um pouco mais requintadas. As pessoas não gostavam muito da presença deles, e alguns até os tratavam mal como se eles fossem ladrões. Já estavam acostumados com aquele tratamento, mas às vezes Reika se indignava com isso, porque seus amigos só eram pobres e escolheram viver como ciganos que eram, mas nem em sonhos pensavam em tirar o que quer que fosse de alguém. Nada que não lhes pertencesse. Mas a vida é assim, aqueles que escolhem viver a vida a sua maneira, podem não agradar a certa faixa da sociedade dita de elite. Todos aceitam porque é mais cômodo aceitar do que se desgastar para fazer uma defesa, muitas vezes sem glória. Reika foi até a loja e viu o tamanho dos pacotes que teria de levar. Então voltou sobre seus passos e nos chamou:

– Venham ajudar, os pacotes são imensos! Não vou conseguir carregar sozinha.

Os ciganos relutaram um pouco, mas enfim decidiram ajudar a amiga e me seguiram. Quando estavam entrando, foram barrados por um dos vendedores.

– Alto lá, ciganos! Aqui vocês não entram.

Parei com receio, muitas vezes também nós, meus irmãos e eu, quando pequenos fomos barrados em lojas, mercados e mercearias só por estarmos mal vestidos.

– Como não entram? – falou Reika.

– Aqui não! São ordens.

– Eu os chamei para ajudarem com os pacotes que são muitos para eu carregar sozinha.

– Eu a ajudo! – e falando isso o vendedor entrou para o interior da loja a procura dos embrulhos.

Reika correu atrás dele e o puxou pelo braço dizendo:

– Meus amigos vão entrar e me ajudar, e se os senhores levantarem um dedo sequer para impedir isso vou tomar minhas providências. Falava alto e os demais clientes que estavam fazendo compras, começaram a prestar atenção no barulho.

– Calma senhorita! – era a moça gerente da loja que chegava para ver o que acontecia.

Reika indignada falava que queria os amigos para ajudar com os pacotes que ela viera buscar, e que o vendedor não permitira a entrada deles.

Nesta altura a aglomeração já estava grande à volta de Reika. Permaneci quieta encostada na porta.

Tentando diminuir o impacto que essa bagunça estava causando com os clientes, a gerente sorria amarelo e tentava conversar, mas Reika continuava insistindo que era injusto, racista e de mau gosto o tratamento que estavam dispensando a ela e seus amigos. Algumas pessoas já estavam dando palpites, contra ou a favor da loja, e aí então a confusão foi se agigantando até que chamou a atenção de pessoas na rua que também vieram ver o que acontecia.

Sara e Miguel, vendo que podia render alguma coisa mais séria para o lado deles, sumiram na esquina sem nem olhar para trás. Nesse ponto a loja já estava tão cheia de gente que ninguém mais se entendia. Na confusão ninguém viu uns garotos entrarem e surrupiarem alguns objetos expostos nas vitrines. Eram meninos de rua, acostumados a aproveitarem confusões desse tipo para aliviarem as lojas de coisas que poderiam vender mais adiante por preços módicos, e infelizmente com esse dinheiro comprar drogas. Coisa triste!

Aos poucos as pessoas foram se dispersando e Reika foi pegar seus pacotes, e olhando para aos lados me chamou. Porque a essa altura ninguém mais veio para ajudá-la. Ao sairmos para a rua não vimos mais os amigos ciganos. Expliquei a ela que eles correram na hora da confusão. Olhamos para os lados para ver se Andy e Renan estavam por ali.

– Olá minha linda!

– Andy! Meu amor. Ajuda-me com isso, por favor!

Andy rindo da cena da namorada sumida atrás de uns pacotes enormes. Eu também sumi atrás de outros tantos. Andy tomou-os e os levou até seu carro estacionado.

– De onde você tirou essa tralha toda? – perguntou ele ainda rindo.

– Mamãe me aprontou uma que você nem sabe. Quer dizer, ela não. Na realidade fui eu que fiz uma confusão danada por causa destes pacotes.

E contou toda a balburdia da loja causada por sua indignação.

– Que coisa! E seus amigos?

– Saíram com medo de serem envolvidos na confusão. Sabe como é. Eles são sempre tratados como ladrões onde quer que estejam.

– Pois é! Antes de conhecê-los melhor eu tinha prevenção contra eles também. Agora sei que são pessoas de bem e só querem ajudar, e que trabalham duro para viver.

– Gostaria que todos pensassem como você, ou que pelo menos tentassem vê-los como gente, e não como animais ou coisa parecida.

Renan vinha chegando de algum lugar, gingando e segurando um punhado de picolés.

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