terça-feira, 14 de dezembro de 2010

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Os Ciganos - Capítulo XV

Um dia convidei Andy para ir a minha casa saborear um jantar. Era sábado, e mamãe costumava caprichar na comida, porque papai muitas vezes levava pessoas para um bate papo de final de semana, e sem avisar. Então, pelo sim pelo não, Dona Valey ia para a cozinha e deixava a casa toda com cheiro de comida gostosa. Se as visitas chegassem não faria feio.

Andy chegou todo cheiroso e lindo e foi beijando mamãe que não ficou exatamente à vontade perto dele.

– É muito rico e lindo esse seu namorado! – falava para desculpar-se de sua atitude esquiva.

Meu pai ainda não havia chegado, e meu irmão estava no quarto preparando-se para sair. Assim, Andy e eu podíamos conversar na sala sem maiores preocupações, porque mamãe ficava entocada na cozinha. Andy era um perfeito cavalheiro e sabia comportar-se como ninguém em qualquer ambiente que estivesse. A não ser pela poltrona de meu pai que Andy foi sentando familiarmente dizendo:

– Uma delícia essas poltronas! Não admira que os pais gostem tanto de ficar nelas um tempão!

Eu estava procurando um DVD com um documentário sobre Vidas Paralelas, gravado por um famoso escritor e filósofo, que eu queria assistir. Havia deixado em cima do aparador da sala pela manhã, e agora não o encontrava.

– Mamãe! Você viu um DVD que deixei hoje pela manhã aqui na sala?

Mamãe apareceu na porta que separava a sala de visitas da sala de jantar, com uma colher de pau em riste e disse:

– Guardei na gaveta de baixo aí do aparador. Esses artigos de sua faculdade me deixam curiosa. Desculpe, mas assisti o DVD e achei muito interessante.

Virando nos calcanhares voltou apressada para a cozinha, antes que algum molho passasse do ponto. Encontrei o DVD e convidei Andy para assistir, queria ver sua reação ao ver um assunto tão diferente do que o visto por ele em Direito. Após colocar o DVD para rodar, acomodados na poltrona assistimos o documentário até o final, antes que minha mãe chamasse para o jantar.

Em algumas ocasiões meu pai esquecia-se de avisar minha mãe que iria atrasar. E esse foi um desses dias. Dona Valey não se importava com isso e então nos chamou para a mesa dizendo:

– Somos somente nós mesmos. Andras e André não vão nos acompanhar. Um porque não chegou e outro porque já saiu.

Andy riu e correu para dar um abraço na dona da casa, que estava com o rosto afogueado pelo calor das panelas e do forno. Ela ficou um pouco sem jeito, mas feliz, afinal o atual namorado da filha era gentil e cavalheiro.

O jantar transcorreu alegre. A conversa ficou animada com os comentários sobre o documentário assistido.

– Um pouco sensacionalista, mas acredito que tenhamos ajudas externas para alguma atividade. – falou Andy.

– Não é sensacionalista! É realista! E não são ajudas externas, mas internas – falei defendendo minhas ideias – temos mesmo outras entidades conosco. As pessoas que não se identificam com suas vidas paralelas, encontram mais dificuldade para ter sucesso.

– Só não entendi porque no final do documentário a personagem não seguiu o caminho que ela mesma havia escolhido. – falou Dona Valey.

– Foi porque ela achou que depois de estar devidamente orientada, o caminho antes escolhido não seria o certo, e assim deixou sua vida seguir o caminho que foi trabalhado para o seu sucesso. Na verdade ela preferiu o sucesso ao anonimato. – falou Andy.

Fiquei feliz que Andy houvesse entendido a mensagem da personagem, e completei:

– Ela sempre quis ser descontraída e popular, mas sua gagueira a deixava inibida, então a decisão de ser uma pessoa de sucesso foi a mais acertada, porque se ela continuasse como vivia, seria sempre infeliz. Na encruzilhada que deparou no final do documentário, nos fez entender que é só nossa a decisão de sermos ou termos as coisas que queremos. Ninguém mais pode escolher ou fazer por nós. Só nós mesmos. Então ela deixou o seu eu perdedor sumir na esquina, enquanto ela, a vencedora seguiu para o sucesso. – falei convicta.

– Não havia captado por esse ângulo. – falou dona Valey pensativa – mas agora que você falou, percebi o óbvio. Aceitam a sobremesa agora ou querem mais tarde?

– Agora mesmo!– falou Andy que era um formigão inveterado.

– Enquanto você come seu doce, vou ajudar mamãe com a louça, porque depois quero levá-lo a um lugar especial. Aceita?

– Claro! Com você todo lugar é especial.

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