O violeta da tarde despia as nuvens e, afoito pelos semitons róseos de algumas conchinhas na praia, divagava seu sorriso na espuma do mar. Ariane deixava-se embalar por esses fascículos de vida quase marítimos e lineares,
- Sinto como se visse um esteta profundo, convulso, despedir-se. Quem era esse facínora?
- Talvez nunca saibamos. A angústia se ampara em tantos pormenores, em tantos invisíveis desvios, em tão desencontradas desilusões, em muitos sentimentos olvidados e enganados, em medos e solicitudes tão amplos e de tão poucos remédios, que quase todos os que arranham seus lamentos e injurias não saberiam explicá-la. Sua pulsão é a da alma, de seus recantos mais remotos e inesperados, uns labirintos quase doces e crispados em suas ventas. Para sará-la só a felicidade, a recomposição do pequeno, da boa acolhida no seio de um meio saudável, de um querer.
- O bem e o mal não se explicam. São difusos e inconstantes, parece-me que a causa da injúria, do mal estar, é tão somente uma decomposição do fato, alguma desarmonia de execução física ou psíquica.
- Saberemos, com vagar, do que se trata. À medida que nos formamos e compomos o nosso estar, adquirimos uma vidência para além do bem e do mal, a real instância da necessidade, sua clarividência.
- Muitas perguntas partirão sem respostas, diluídas na interrogação.
- Fenecerão, é fato. São outros tempos, sem mitos, sem segredos, grudados no infinito, no múltiplo, no varrer da verdade cósmica que se aproxima.
- A onipotência do grande predador nos abandona. Estamos, com o resto da criação, de joelhos. Conseguiremos superar tantas estórias de lutas em busca de alimento, por deus, à mercê dos desejos, ansiosos de perdão. A inteligência pode ser um presente envenenado, porém, permite que nos inclinemos para o pagão no anjo, que estudemos a inclinação da boa sombra. Podemos desarticular o instante, metrificar o infinito, copiarmos o sucesso dos astros de longo período na seqüência principal e na superfície do ser e, para além do emocional, procurar viver a alegria do bom espírito.
- Uma criação de águias com bicos de andorinhas curvando-se ante a areia escorrida no relógio do tempo. Nenhum grito, adeus à indignação, ao fortuito e ao eterno de teu instante. Ralo e rimado pelo rugir da métrica um destino maleável na dança dos arcos dos sonhos. Consciência, sim, consciência, colocada em torno da imersão, mágica e astuta, plenitude. Consciência lúdica, analítica, perturbadora, como uma última defesa ante a violência/sobrevivência, escudo e delícia dessa contagem contaminadora do tempo.
- E o silêncio. Amo-o, voraz, núbil e caliente em um deserto, comprimindo-se pela terra, namorado do divino. Não existe começo ou fim, antes, um fio entendido pelo tempo no Corpo, mutável na forma que te nomina.
- Movidos nas plumas marítimas de outonos primaveris, seremos lírios e aves, colorindo-nos como os frutos amarelos que brindam esse jardim.
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