sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

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O Menino da Gaita - Capítulo IX

Quando nos casamos ganhei dele a aliança de ouro, comprada com muito sacrifício porque ele ganhava pouco. Dei então a ele um bonito anel que pertencera a meu pai, e lhe disse:

- Meu pai foi sempre um homem íntegro, trabalhador e apegado à família. Quero que use esse anel como símbolo dessas qualidades.

Ele ficou com o anel do dedo até uma noite, dezoito anos depois de casados, quando tirou e o colocou na cabeceira da cama, e lá o deixou sem me dizer nada. Encontrei no dia seguinte. Meu coração chorou e meus olhos também ao guardar o anel em sua antiga caixa. Foi aí que começou a me excluir de sua vida.

Passados alguns dias me chamou em um canto e disse-me com todas as letras: “Vou sair de casa porque preciso de liberdade. Cansei de ser preso, quero ser livre para pegar meu carro e correr mundo, sem destino, ter mulheres, não nasci para ser marido de ninguém”.

Embora em meu subconsciente houvesse aquela antiga prevenção disso acontecer um dia, prevenção quase esquecida pelos anos de felicidade, o choque causado por suas palavras foi tão grande em meu peito que quase me faltou ar. Mas consegui fazer a pergunta clássica:

- Alguma mulher em sua vida?

- Não! Nenhuma em especial, embora não descarte a idéia. Afinal vou sair de casa para isso. Preciso disso.

Ficou em casa conosco ainda por alguns meses, preparando a filha e eu para o golpe final. Mas finalmente saiu. Foi para uma cidade distante. Distante o suficiente para nos isolar de sua vida.

Ficamos olhando uma para outra, ela chorando em um canto eu em outro, ambas perdidas, sem saber o rumo que daríamos a nossas vidas. Não conseguíamos entender o motivo que ele nos deu para tomar essa atitude.

Fiquei em meu canto de dor pensando que o esteio que tive a meu lado se fora, e cada vez que queria me apoiar o chão se abria e se alargava, e meu coração magoado morria.

Um mês depois de nos abandonar, estava eu arrumando gavetas, tirando coisas, mudando de lugar, jogando no lixo, e enquanto fazia isso as lágrimas desciam sem parar. A dor era imensa.

Minha filha chegou e perguntou:

- Que está fazendo? Por que está chorando tanto?

- Estou limpando gavetas.

- E isso a faz chorar?

- Estou arrancando pedaços de meu coração e de minha alma para jogar fora, e sempre que a gente tira pedaços da gente, dói muito. São pedaços guardados durante dezoito anos de vida nessas gavetas e armários, magoa fundo ao se desfazer deles.

- Não chore mamãe! Tudo na vida passa. As coisas boas e as ruins, por mais que não queiramos acreditar, na vida nada acontece por acaso.

- É! Eu sei! Mas enquanto essa mágoa aí estiver não poderei pensar direito. Daqui a pouco estarei melhor.

Mas demorou muito para eu me sentir melhor.

2 comentários

Efigênia Coutinho ( Mallemont )

Amiga Escritora, voce já sabe que sou sua FÃ, e este que leio é mais um dos maravilhosos contos seus, PARABÉNS,
com afeto,
Efigenia Coutinho

Alexandre Eduardo Weiss

Cara, Paola,

Nada dói mais que coração despedaçado. Pela perda do que amamos; que nos detrói como castelos de areia atingidos pelas águas desatentas da beira mar.
Pela perda contínua do que somos, que se reflete no que temos, do que, inconscientemente nos achamos donos; seja gente ou terra, bicho ou vegetal. Como sofremos.
Não há limite para tais dores.

Parabéns,
Abraços.