sexta-feira, 13 de maio de 2011

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CHUVA

Seria interessante. Escorrer. Correr silencioso. Infiltrando-se em toda matéria, levando outras...

Ser água. Em tudo estar.

Menos nesta folha. Neste texto. Longe do meu espaço. Quadrado. Espaço que delimita meu corpo físico, clínico. Meu texto. Contexto.

A janela chora minha angústia. E dissolve o vidro em memória aquosa. Lembrança. A água entrando... conectando em sinapses  uma existência em que o fragmento é a verdade.

A palavra não anda. O texto não caminha em estrada definida... se perde. Perde-se no sem palavras da chuva. Nuvem.

Escura em devir permanente. Raios? Trovões?

A secura desta peça me sufoca. A tela do computador dociliza a alma. A raiva.

O homem precisa de raiva. Precisa de indignação. Assim como o mundo precisa da tempestade. Da chuva...

Nem chover consigo.  A água me é escassa; no corpo e na alma. Velho. A idade seca o homem. Drena a vida. A água...

Ainda lembro... lembro das lágrimas juvenis. Do rosto encharcado e das dores advindas de minhas desilusões amorosas. Água. Saudade da água.

Hoje tenho o texto. a palavra e a memória. Poço profundo de onde bebo alguma vida. Escassa. Alguns breves sorrisos.

A solidão não irrita ninguém. Pelo menos não a mim. O que mi irrita é a ausência de vida. Essa escassez da água no corpo. Esse esvair de intenções. Sonhos.

Meu texto procura a liquidez da chuva... fluidez.

A terra está encharcada. A água faz poças. Liga as possas e faz pequenos lagos que escorrem. Fluem. Luzes no céu. Barulho. Estrondo de vida.

Minha folha está morta. Branca e ousada, me desafia. Me julga em sua possibilidade de conter o reflexo da vida em letras e idéias. E nua e alva e crua zomba da decrepitude da minha criatividade. Está frio?

Sempre está frio para os velhos. E isso é uma merda.

Decidir não é fácil. Fazer escolhas...

Mas quando não há escolhas é fácil. Fluir. Apenas fluir...



Na folha a palavra chuva. Título e texto. Condensação máxima da história de uma vida. Chuva.



Receber a água é doloroso para os velhos. Gelada. Forte. Poder.

Escorrer para dentro e além de qualquer corpo físico. Percorrer as distâncias possíveis, e depois elevar-se em vapor. Vaporizar-se.



No chão ainda pareceu ouvir gritos de menino que num passado além do real gritava e dançava em chuva anterior...

Sorriu ao perceber que a criança era ele.

Evaporou.

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