Um dia bem cedinho minha mãe ligou da fazenda, dizendo que meu pai havia sido internado às pressas em um hospital na capital, onde ele estava a negócios.
Fiquei desesperada. Fechei o escritório e sai como doida pela estrada, dirigindo alucinadamente para chegar mais depressa. Quando cheguei no hospital, lá estavam Aracê e seu marido na cabeceira do homem que foi o esteio deles durante anos. Fiquei com ciúmes. Como eles conseguiram chegar do Rio de Janeiro antes de mim? Mas não disse nada e agradeci a presença dos dois.
Meu pai estava deitado, muito branco, em uma cama tão branca como ele. Quando me viu logo perguntou:
- E mamãe? Veio com você?
Fiquei com o coração apertado, porque na ânsia do desespero esqueci completamente de mamãe. Em vez de passar na fazenda para trazê-la comigo passei ao largo pela estrada principal. Corri para um telefone publico e liguei para ela, mas já havia saído de casa com meu irmão, muito mais cauteloso que eu, pois se lembrou de ir buscá-la.
Voltei mais tranqüila para o quarto onde meu pai estava cada vez mais branco. Sua palidez devia-se a uma hemorragia que os médicos não conseguiam controlar, só esperavam minha mãe e meu irmão chegarem para autorizarmos uma operação de alto risco.
Quando os dois chegaram foram logo interpelados pelos médicos que aguardavam ansiosos a autorização para a cirurgia.
Após detalhadas explicações, e nós três estarmos cientes do risco que expunha meu pai àquela intervenção, demos a autorização necessária, porque de qualquer maneira, se não fosse operado, a hemorragia o mataria dentro de horas. Valia a pena tentar já que, segundo os médicos, não havia outra solução.
A longa espera nos corredores do hospital, durante as intermináveis oito horas de cirurgia nos deixou exaustos, a todos.
O médico responsável pela equipe que atendeu meu pai, saiu para o corredor onde estávamos e nos disse:
- Por ora está tudo bem. Esperemos que a recuperação seja efetiva. Mas ele perdeu muito sangue e podem ocorrer alguns problemas por isso. Amanhã teremos um quadro mais preciso.
Meu irmão que sempre foi muito detalhista seguiu com o médico em busca de melhores explicações. Quando voltou nos explicou:
- O motivo da hemorragia foi um câncer no esôfago. A doença já devia estar aí por muito tempo, porque se alastrou e foi necessária a retirada de todo o sistema digestivo, inclusive o estômago. A alimentação só será feita através de tubos que estão ligando a garganta diretamente ao intestino. Ele vai sofrer muito.
Mamãe que já passara oito horas chorando, agora intensificou o pranto e foi sentar-se a um canto do corredor onde estávamos. Fui unir minha tristeza a dela, e ali ficamos abraçadas chorando à espera que papai fosse levado ao quarto.
Só pela manhã é que ele saiu da observação e foi para sua cama branca e gelada, no quarto branco e gelado do hospital.
Durante seis dias meu pai sofreu dores atrozes, não podia comer nada, só um estreito tubo levava líquidos para seu organismo. Por um cano de plástico era feita a drenagem dos resíduos de seu organismo. Eu ficava horas inteiras a olhar a fisionomia pálida, e que dia a dia perdia o viço da vida. De vez em quando meu pai pegava minha mão e a levava à boca. Quando via que era minha mão dizia:
- Desculpe filhinha, achei que fosse pão.
Meu pai morria de fome, rodeado de riquezas.
Na tarde do sexto dia quando o médico veio fazer a visita de rotina, perguntei a ele:
- Doutor! O que foi que ocasionou esse câncer?
- O cigarro, minha filha!
- Não pode ser! Meu pai nunca fumou que me lembre.
Minha mãe que nos observava disse:
- Fumou sim! Antes de nos casarmos ele fumava muito, diminuiu quando nos casamos, mas só parou quando fiquei grávida de seu irmão. Depois disso nunca mais fumou.
E o médico olhando-me acrescentou:
- A nicotina faz grandes estragos no organismo minha querida. Quer seja a curto ou em longo prazo.
Voltei ao quarto e notei que pairava no ar um cheiro de cigarro. Comentei com meu irmão e ele disse:
- Veja! São os resíduos que saem pelos canos de drenagem. Esse mau cheiro é da nicotina, que só agora depois de muitos anos está sendo expelida.
Na verdade eu já havia percebido esse mau cheiro, mas achava que fosse dos remédios. Ledo engano!
Na manhã seguinte meu pai faleceu. Nem tente entender a dor que em meu coração. Minha mãe então! Ficou mais órfã que meu irmão e eu. Seus soluços eram doloridos e baixinhos, as lágrimas que correram pelo seu rosto durante o tempo do internamento, agora conseguiam ser mais copiosas. Silenciosamente saímos para que os enfermeiros pudessem fazer seu trabalho, mas mamãe ficou ali, teimosamente queria ver os preparativos. Não deixaria o marido sem ela enquanto pudesse. O pessoal do hospital entendeu e permitiu que ela ficasse.
O enterro foi um acontecimento triste. Papai tinha grandes amigos, e em tão grande quantidade que me espantei. A fila de carros que acompanharam o féretro até o cemitério era imensa.
Minha filha ainda pequena perguntou:
- Mamãe! Toda essa gente vai rezar pelo vovô?
- Sim querida! Todos.
- Então não precisa você chorar. Com tanta gente rezando, vovô volta logo, logo!
Abracei-a com carinho, e agradeci a Deus pela inocência dela não a deixar sofrer.
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