A NASCENTE
I - ASCESE
12.
O Sol, formoso de sua valentia, anunciava, ímpio e descarado, novos floreios da virgem Matriz. Aboé e Margri espiavam-no sem ressentimentos, deixando que os esclarecessem na brisa de suas resoluções.
- O deus sorri. Parece adequado ao novo vagar das águas. Suas fímbrias deitam-se nas facetas que o enamoram. Como o consulta?
- Como um filho ao pé de seu severo pai que, mesmo enfiado a carrancas e exigências, é benevolente com as tuas limitações. A fonte de força ignora as mazelas dos desencontros. Já se encontra vitoriosa e assimilada ao éter da terra. Alguns já flutuam entre as suas mesuras. Outros se alçam até o chamado, ainda aturdidos do término da oração. Pelas primeiras horas do dia cola-se a alma na ordem do Cosmo Mãe. É refrescar na luz a aura machucada. Nenhuma iniciação principia antes da abertura do Templo.
- Prepara-se o pouso branco.
- Nunca desiste de se entornar ao solo para frutificá-lo de leveza e paz. A sua diversão é o gorjeio das flores e o néctar dos pássaros.
- Ser um adorador da vida é também acreditá-la munida de bons propósitos.
- O que para muitas mentes, cientes das desordens do solo, é mantra de algum risco. Mas, assim como podemos ser o porto da ação, somos inevitáveis resultados das conjunções dos elementos.
- Então é preciso adaptar-se ao ciclo das funções.
- Quando pudermos escapar de suas fendas, estaremos preparados para o ensejo. Mas evidentemente não preciso explicar-lhe a primazia da configuração das condições.
- E quando não se sabe ? Quando a desordem dos sensores da alma debate-se no jogo das luzes ?
- Tentativas bem prestadas, desligadas de muita emoção, podem ser bem sucedidas. O diagnóstico pode ser assimilado através de um bom conjunto de dados. O pragmatismo pode ser a única saída de uma alma reclusa.
- O perigo é quando se torna sua única defesa.
- Ajustar a luneta nas funções conscientes é método que nenhum homem, constituído das virtudes do bom senso, deve evitar. Mas, rastrear-se até o cumprido de seus sensores de fundo é, de todas as estratégias, a mais benéfica. Mesmo o risco de morte e o conhecimento de sua chegada podem ser uma senda de entrada.
- Só o que se dispõem a morrer, renasce de fato.
13.
- O Cálice é a esperança de se enviar até o raiar da Boa Nova. Deparar-se com a embriaguez, tomado da vertigem do ouro líquido, é estremecimento de muita mônada.
- Desperte ao sono do outro. Espie-o sem pejo ou ressentimento. Distancie-se até o ponto de observação que sustentar teu movimento. O ataque é rasteiro, a pulsão de defesa vaza como natureza.
- Os grupos se armam em torno de interesses sectários. Pressionados pelo devassar da síntese de abstração, armam-se nas bordas de suas peculiaridades.
- O sentimento de guarda de identidade intensifica-se à medida que a Águia começa o vôo. O que lhes garante que o céu os sustentará em seu peso ? E você, nunca se enamora de sua sombra ?
- Muitas vezes. Chego mesmo a amá-la, ainda quando não a suporto.
- Na ignorância do próprio espírito a alma é casa de pouso garantido, a despeito de suas confusões e mágoas.
- Gerações de embravecidos, desnudos de boas máscaras, considerarão de vigor divino cada estreito de seus interesses. O que impede o humano de verificar a justeza do outro ?
- A cegueira da sobrevivência. Ela é árida, desprovida de garantia, estreita-se a cada dia.
- É de gosto da natureza esses seres privados de sua valia ?
- É a sua garantia. As boas maneiras foram forjadas no ferro da superfície, facilmente se despregam. Eram apenas as finas camadas de éter coladas à pele da primeira consciência.
- Guerrearão em um claro largo escuro. Me parece de boa conduta para o sábio a redoma de muitas faces, uma que se diga benigna, outra que se faça combatente, e aquela que se enamora todos os dias dos cravos cravados ao largo da brisa.
- É preciso viver seu tempo mesmo quando as fronteiras da mente já divisam o Portal de Ouro.
- E como defender-se do medo ?
- Suportando-o, tranqüilamente. Arredondando-o nas guardas de seu tesouro, envenenando-o nas flechas do escape.
- A perigosa defesa de si mesmo.
- Só poderão faze-la aqueles que se detiverem no próprio centro. Os que se confiarem unicamente às trincheiras das pompas e títulos, conseguirão, com seus cansaços , a total derrota de suas justezas.
- Para enfiar-se ao estreito do peito reza o ouro da planície pelo afastamento, garantia contra o deslumbre da orquestra cósmica.
- Aquele que assim se inicia, já é sanado por si mesmo. As bulas e receitas não lhe dizem respeito. Quem tão bem se abstraí de si é porque garantiu-se na vida pelas órbitas do deus.
- De onde podemos deduzir que a melhor defesa é a abertura até as pulsões superiores. Mas, e se ainda assim aproximar-se o primata da espécie ?
- Não tocará o provido do Anjo. Deixe que o Guerreiro o encurrale, mesmo quando parecer que se decompõem ao arremesso, até a senda do Executor.
- Nos assumiremos como adoradores da Nave e, em torno dos eixos que firmarem nossas rezas, se armarão os feitos da Espada.
- Murmuraremos, todos os dias, as fadas da poesia. Suas longas encenações, bradadas ao ritmo aberto do ar e do vento, acabarão por pousar o homem na marcha do sonho.
14.
- Aboé é muitas vezes sublime em suas festas matinais. Porém, o que machuca teus olhos, meu amigo ? Quais são os desmandos que tão fundo se arrastam nas águas de tua alma ?
- A longa privação de suas festas. O sábio construiu o gênio da clarividência nas raízes profundas das entranhas terrestre. Lá as águas deslizavam por fontes térmicas carregadas de larva. Ali enfiou-se a sina da consciência, aturdida das forças do caos. Não se pode ignorar os poderosos imãs do aniquilamento. Tão presente quanto a evolução pela individuação é a matriz do núcleo anterior à própria espiral. E nem sempre o descansar nas bordas dos seus princípios é composto segundo as leis da liberdade e da leveza. Somos igualmente aptos à renúncia da vida e muitas vezes esse pode ser o mantra do alvorecer do espírito. Até nos afastarmos completamente da força geratriz compacta e opressiva serão muitas as munições da mônada.
- É necessário que cada vez mais nos afastemos da alma para inserirmo-nos na dança dos arcos de ouro ?
- São muitas as disposições. O atrator da biosfera é uma sua particularidade, será construído pelo entrelace de seus benefícios. Para além do sonho dourado, a metafísica do espírito é de muito superior à da mente. O inevitável para subjugar o primata é o domar do coração até o longelíneo dos arcos. A segurança do feito só é oferecida depois da consolidação das funções de sobrevivência e adequação. À partir do Mantra da Luz cada estrela se segue segundo um deus único.
- Portanto cada um está em si de forma particularizada e única.
- A liberdade do meio é a total liberação da necessidade das uniões de coletividade e parceria. Os mais profundos em suas águas, porém, assim o sabem muito antes da chegada.
- E o teu espírito voa até um altar para muito além da comemoração.
- Não posso evitá-lo, é a minha casa.
- Haverá o dia em que os humanos formarão o círculo para discutirem as formas dos Anjos. E antes que alucinação, converterão acolhidas.
- Para isso precisaremos nos enfiar no domínio das mentes de sucessivos Mestres. São muitas as tomadas de bastão e, volto a chamar a tua atenção, particularizadas. Mesmo aquele que já veio para muito além de si necessita recuperar, em solo, cada parte de si mesmo.
- A idéia não se esclarece sem apoiar-se sobre a matéria.
- Caso contrário essa não se faria necessária.
Pois me disponho a ir para além do pedestal. Acordada ou em sonhos sinto-me grata por ser domada no esclarecer.
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