quarta-feira, 10 de agosto de 2011

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A NASCENTE 8 e 9 - JANDIRA ZANCHI


A NASCENTE 
I -  ASCESE

8.

      A noite avançava sem estrelas na Costa Oeste. Açoitada pela vegetação espessa o perfume da neblina estendia-se pela cabana, aqui e ali serpenteada de flores amarelas. Alonso alongava-se por aquele silêncio pleno de mata e lembranças.
     A beleza do moreno conseguia esfarelar a floresta nos seus queixumes e cristais. Esquadrinhado de forma a vergar o mais bruto vigor da larva, era tido e aceito como o Príncipe do Arquétipo. Enamorado do Sol e súdito da lua, desabara por sobre a terra em um arquejar prazeroso da fronteira da noite. Assim estirado se fizera homem e domara das plantas o poder de encantamento. Seguindo a imponência da imagem convertera as mulheres à piedade do luxo de sua beleza e, inquieto da vaidade, trouxera os maestros da ascese detidos em suas amplas e macias fronhas de magia. Mas não se dera por satisfeito e, houve o dia,  mais apropriadamente se diria que nele se faziam estrelas e que o Sol não aparecia, em que se descobriu como o filho dileto do Senhor do Centro.
     Pelos rastros da floresta norte procurou o pai e segredou-lhe aquele que na 1ª Casa do Poder Negro guardava o ritmo do Ancião, que ainda vivia o Sétimo e sua Guarda, mas, que outros caminhos trilharia o efebo até encontrar o Guia da Espada.
     Foi grande a decepção do Apolo já que  lhe cediam os maiores reis e os mais intrincados mistérios. Fez-se roxo e vazio de cumprimentos com os seus pares do Mosteiro e até ao Grão Mestre vedou a entrada de seu lar. Enfurnou-se na cabana de cedro e limo espirrando por muitos dias uma contrição que, antes, nenhum treinamento na Ascese conseguira dele. Fez-se um pouco sombrio e só não descuidou das mulheres porque era firme na crença do prazer. Mastigou todos os esdrúxulos espécimes de plantas que contornavam a entrada do reino proibido, ciente de que o alucinógeno das ervas encontraria o poder.
     Aos poucos a larva foi cedendo. O soberbo príncipe, pressentindo por onde se domava a surdez do centro, foi encontrando o manejo de cada segredo nas ervas encantadas. Não se lhe abriram mágicos portões, nem acenaram as trilhas, estas cobertas por arbustos e enredadas na desconfiança da própria virtude. Não, não, Alonso que  antes se fizesse Rei , tivesse um bom coro de súditos, uma rainha virtuosa, enfim, essas espécies de mantimentos e consentimentos que os senhores da força não se agradavam da parcimônia de bens materiais. Até que muito os apreciavam e deles se valiam, pois,  como se poderia, em trajes de mendigo,  conduzir os destinos dos homens ? O Efebo era puro e originário da raça dos negros Césares da noite, era cheio de júbilo e domador de homens e mulheres, porém, se de si queria a região de maior peso, bem, que procurasse a estrada dos grandes deveres.
-         Mas, se tão bem já os pratico ? – quase indignou-se, e era verdade que a vaidade era a sua mais completa solenidade. E isso não o desdizia, antes, o confirmava como fruto do tronco que o sonhou.
       E, com muita segurança,  poderíamos afirmar que os seus consentimentos a respeito dos próprios méritos e seduções eram sempre inteiramente confirmados pelos fatos e fascínios que criava ao redor de si. E assim sendo, não demorou muito tempo para que as ervas e essências das matas vizinhas  se desfizessem em esforços para tornarem-se a espécie de mimo do belo, segredando-lhe toda espécie mutações, toda sorte de sacrilégios, infinitas entradas pelas raízes do solo, armando em fractais bem delineados os segredos da alma humana e do respirar dos elementos. Alonso, talvez um pouco ingrato, ainda assim cismava.
- Enfim, caros mestres, por onde devo enfiar minha alma, encravar minha sina? É esse o solo de meu reino?
9.

      E foi do bravio da noite que o Apolo moreno se beneficiou. Acirrado pela ausência da lua foi enfronhando-se, com o cedro e a adaga, pelo emaranhado da mata. À medida que avançava nas represadas artimanhas da sua sedução sentia o latejar de seus ardores, o umedecer de noiva oferecida nas encostas íngremes, cada vez mais ardil e fechada nas brumas e ressonâncias, farelos de prata e néctar no estreito de seus contornos.
    A madrugada estendia, no silêncio, a luxúria do solo em uma proximidade quase nua do corpo do efebo. Alonso salivava com vigor e desprendimento, sentindo-se curar das últimas dúvidas e insolências. Sentia que não era mais do que um fluído adequado, em tempo e ressonância, ao pulmão da floresta. Essa, de tão densa, era esquálida, firme e compacta em suas virtudes sem solução. Enternecida  da coragem do moço, era grata da validade de seu contínuo percurso.
     Assim derramando-se, fez-se viril, como se da inteira entrega não houvesse outra latitude que o perfilar da ação. Deixou divisar um esplêndido carvalho, milenar e obtuso de segurança, pousado no mais alto pico da montanha. As raízes bem plantadas, quase à deriva no mormaço de plantas e escuridão, poderiam causar presságios em mentes vacilantes, mas Alonso, pleno e estriado no órgão, ali se deixou adormecer. Foi percorrendo o sono com a costumeira valentia de príncipe dileto e não demorou a flutuá-lo de figuras  e arquétipos, aonde o contorno de duendes e seres bruxuleantes não  rivalizavam com a aura dourada de formas evoluídas, escuras e vigorosas, trinando hinos em louvor ao centro das marés celestes. Os perfumes de enxofre e hortelã desprendiam-se tão ácidos e frescos que lembravam em suas anáguas o furor do deus emergindo no princípio da criação.
    O mago acordou já no portal de seu sacerdócio. Imantava-lhe o corpo uma febre sem fogo, endureciam-lhe os ossos da face. Uno e perfilado, sentia-se lúcido e estirado, à exaustão, em cada fímbria dos músculos. Estava imerso no céu, e por si corriam as densidades das camadas intermediárias da terra. Já não podia olvidar a voz do sábio :
-         É da encosta que se evita que escorrerá o primor do desejo.
-         Não encontro a senha de minhas terras.
-         Delas só existem as ruínas e as ninfas, que ainda as sonham. Alonso deve principiar uma outra vida, e apagar de seu corpo as armas dos ancestrais.
-         - Mas...
-         Haverá o dia em que retornará ao meu mago a visão do Ciclo das Sete Águias. Delas, porém, só duas sobrevivem. De cada uma Apolo receberá o magno da cruzada.
-         E como farei para percorrer  caminho que me separa desses grandes senhores ?
-         Alonso, primeiramente, deve erguer o reino, entrincheirar o caminho da Nascente e envolver-se nos perfumes de Vênus.
-         Mas,  para construir minha casa , devo certificar-me do solo que a acolherá.
-         As deusas das manhãs brancas saberão conduzi-lo.
-         E o que se espera de mim ? A face branca do Rei ?
-         Sim, Alonso será o César que se ajoelha perante a brandura da Ave, bendizendo-se do frescor da Nascente do Cálice.
-         A matriz que se perfura nas águas, que se porfia no alvorecer do espírito alado na abstração.
-         Como meu Príncipe tão bem sonhou.
-         Seguirei na próxima primavera. Quero deleitar-me com o emaranhado de flores, suas cores benditas e esquisitas de amarelos e rubros, de branco leitosos e amarelos espumosos.
-         Como gostaria de acompanhá-lo... mas, aqui, confio aos astros os perigos do corpo celeste. Ainda me aconselham,  e muitas das minhas decisões  servem de prumo aos vértices nos grandes desmandos.
-         Enviarei ao meu amigo as venturas de meus exames.
-         Seguirão, envoltos em fina seda de papel  lilás, até os domínios dos magnos da Águia. Que te acompanhem as boas fadas, pois não descuidaremos de nosso fiel pupilo. Teus sonhos nos confortarão.

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