Os dias passaram e nem lembrei mais do acontecido. Voltei outras vezes fazer lanche no mesmo local, mas nem pensei mais no assunto.
No dia dos namorados estava particularmente triste. Em quase dezenove anos foi a primeira vez que passei sozinha esse dia. Sozinha mesmo. Uma filha na Europa, a outra com faculdade, academia, namorado, cada uma delas ocupada com seus respectivos afazeres me deixaram no vácuo. Então fiz uma produção bem caprichada e fui passear no shopping. Desde a hora que abriu até a tarde. Visitei todas as lojas, fucei todas as novidades, garimpei em liquidações e olhei livros e DVDs. Ufa! Estava cansada, embora não houvesse comprado sequer uma agulha. Mas o tempo passou e eu estava com fome. Subi então para a lanchonete costumeira, fiz meu pedido e dirigi-me ao meu local preferido. Mas, Ah! Que coisa! A mesa estava ocupada. Havia uma vazia ao lado, mas não era a mesma coisa. Aquela era a "minha" mesa. Ninguém podia estar lá. Ou será que podia? Bem! Toca-me sentar em outro local. Quando já me acomodava olhei para ver quem usava minha mesa favorita. Lendo um jornal tranquilamente estava Ricardo.
Ora bolas! Quem lhe dera o direito de sentar ali? Quase saí do lugar para brigar com o homem, quando lembrei que era ridículo sem propósito e no mínimo, desagradável. A mesa não era "minha", era pública. Voltei a sentar calmamente e sorri de minha infantilidade.
Ricardo do outro lado baixou o jornal e também sorria. Será que ele percebeu minha atitude abestalhada? Ficaria envergonhada se ele houvesse percebido. Permaneci de cabeça baixa procurando algo inexistente em minha bolsa. Quando tornei a olhar ele ainda sorria, levantou-se e veio até onde estava.
- Que bons olhos a vejam! Não quis compartilhar o seu lugar preferido comigo? Confesso que estou aqui a um bom tempo esperando que você desistisse das lojas e tivesse fome.
- Boa tarde! – falei sem jeito.
- Ah! É mesmo! A boa educação manda que cumprimentemos as pessoas antes de iniciar um diálogo! – e ele ria abertamente. – Boa tarde!
E estendeu a mão longa e branca.
- Então? Como sabe que estive batendo lojas?
- Cheguei faz tempo e por acaso a vi no saguão. Segui sua via sacra comercial por algum tempo, mas como você estava demorando a se decidir sobre o que comprar, aí resolvi ler um jornal aqui em seu cantinho preferido, torcendo para que ficasse com fome logo. E pelo visto ainda não encontrou o que procura, já que não traz nenhuma sacola.
- Grande observador você é!
Rimos juntos.
- Venha! Vamos nos sentar em sua mesa, sei que gosta mais dali do que daqui.
Dizendo isso, pegou minha mão delicadamente e me puxou para a mesa costumeira.
Alguns alarmes começaram a soar dentro de meu coração. Cuidado! Atenção! Tome tento! Se liga! Sofrer novamente? Nunca mais mesmo!
Conversa vai e conversa vem, quando notamos já era noite. Juntei minha bolsa e quase sem me despedir saí correndo. Normalmente não carrego celular, então minha filha já devia estar preocupadíssima com minha ausência do dia todo.
Seja o primeiro a comentar:
Postar um comentário