segunda-feira, 3 de outubro de 2011

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Os Caminhos de Laura - Capítulo XLIX

Seis meses se passaram.
Acordei com o coração leve. Abri as janelas e sorri para o incrível céu azul que se ampliava a minha frente como um manto divino de puro anil. Nenhuma nuvem, sequer um risco, só azul. A chuva que caiu durante a noite deixou as árvores e as flores do jardim com um aspecto saudável e alegre. Respirei fundo o ar delicioso da manhã com cheiro de grama molhada, e agradeci a Deus por tudo aquilo. Nos últimos seis meses de minha vida não pudera ver nada disso. Estava demasiado escuro dentro de mim para que pudesse ver algo além de minha tristeza e de meu desconforto. Mais uma vez a vida me passara a perna. Com algum esforço saí da contemplação da maravilha a minha frente e dediquei-me a minha vida. Coloquei uma bela música para tocar, fiz meu trabalho caseiro cantarolando com os acordes vindos do som bem alto. Terminei as tarefas e arrumei-me rapidamente para sair. Iria à Igreja agradecer minha ressurreição.
Sim. Porque estava novamente ressurgindo de um fosso profundo onde a mágoa me havia lançado, e a alegria retornava ao meu dia a dia.
Teria recaídas? Claro que teria. É inevitável quando perdemos uma parte de nossa alma para um mundo perverso e cheio de trapaças. Mas sempre muito forte nos embates, não seria agora que me deixaria cair sem levantar. As recaídas eu as levaria no bico como sempre fiz. E mesmo que alguém apareça em minha vida, sei que marido igual à Luan não encontrarei jamais, pois mesmo quando não aguentava o relacionamento e queria sair correndo, permaneceu ali por dezoito anos para me fazer sorrir.
Ao sair da Igreja resolvi dar um passeio em um dos shoppings da cidade. Fazia já bastante tempo que não ia porque tudo me lembrava à presença de Luan. Costumávamos ir muitas vezes juntos para fazer compras ou simplesmente olhar vitrines ou tomar um café. A tristeza começou a querer voltar, mas pensei firme que existem muitas e muitas pessoas em uma cidade como a nossa, que vivem sós e estão como eu agora, necessitadas de uma presença humana. Sorri novamente para o céu azul e fui.
Andei muito pelas lojas do shopping, olhei vitrines, conversei com diversas pessoas que também estavam por ali só para passear.
Em frente a uma loja de roupas para jovens fiquei distraída, olhando e tentando adivinhar qual daquelas coisas expostas minha filha gostaria de usar. A meu lado estava um jovem bem vestido de mais ou menos dezesseis ou dezessete anos, também olhando. Puxei conversa como faço com todas as pessoas aparentemente simpáticas que encontro. Faço isso no supermercado, na fila do cinema, na fila da padaria, falo muito e gosto de ouvir o que os outros têm para dizer. Então falei ao garoto:
- Bonitas as roupas dessa loja. O que você acha que uma menina de dezessete anos gostaria de ganhar como presente?
O garoto me olhou admirado, pensando talvez que o que eu estava fazendo era no mínimo inusitado, porque em uma cidade inumana e insensível como a nossa, onde ninguém dá a menor atenção a quem quer que seja, minha pergunta era estranha. Mas após uma pequena análise de minha pessoa, por certo achou que não perdia nada em me responder, e disse:
- Pela pouca atenção que dou às roupas que minha irmã e minhas colegas vestem, estou um tanto desatualizado. Mas acho que uma saia de jeans como aquela pode cair bem.
- Também acho, mas ela tem tantas saias jeans! E aquela blusinha tomara que caia verde, você acha bonita?
Ele pensou um pouco e falou:
- Imaginei vestida em minha irmã. Gostei. Acho que seria um bom presente.
Aí ele me perguntou o que achava de uma bermuda masculina com motivos de praia, amarela com preto. E assim ficamos os dois olhando as roupas e discutindo se essa ou aquela ficaria melhor nele ou em minha filha. Resolvi entrar e comprar a blusa verde que havíamos gostado. Ele me acompanhou e foi comprar a bermuda que estava namorando. No interior da loja nos divertimos muito, ele provava as roupas e eu aprovava ou desaprovava. Finalmente saímos os dois com as sacolas de compra e nos despedimos. Antes de ir para seu rumo o garoto falou:
- Se a sua filha for tão simpática e agradável como a senhora, ficará bem até dentro de um saco de estopa.
E ao se despedir beijou delicadamente minha mão.
Senti-me feliz pela fineza do menino e fiquei agradecendo a Deus por ainda existirem jovens com educação suficiente para beijar a mão de uma senhora, porque nesse mundo atual o desrespeito humano é tão grande que as famílias e a amizade estão se tornando raras. Aí percebi que não havia perguntado seu nome e nem ele o meu, ficamos horas juntos nos divertindo com algumas compras sem nos conhecermos, apenas com a alegria de termos alguém para conversar. Ele talvez sozinho porque sua mãe não tem tempo para acompanhá-lo nas compras e eu sozinha porque a vida assim determinou.
Compreendi nesse momento que a solidão só a temos se a queremos, porque sempre existem pessoas necessitando de nossa palavra ou de nosso sorriso.
Basta olhar para os lados.


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