quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

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A DANÇA DOS ARCOS 1. - JANDIRA ZANCHI


A DANÇA DOS ARCOS 
1.

     Era cálida a noite no deserto. Brancas e sem imposições as estrelas nadavam lentas, deslizando sobre os solos despidos de fantasia. Não se perturbavam do discurso dos homens e, exiladas de seu canto, permaneciam vãs e vácuo pôr entre as sombras da criação.
    Atílio e Amadeu haviam armado suas tendas e aqueciam a fogueira dos primeiros versos.
-         Sem dúvida inicia-se por essa imagem – disse Atílio.
-         É sempre aqui que aporto quando empunho as ondulações – concordou Amadeu.
-         Ao longe espia-nos o vazio.
-         É lento e coerente. Resumiu-se para que se adivinhe a senda de chegada.
-         Já não me ocorrem as brusquidões do tempo.
-         Esqueci o brilho das armas. Enfeitei-as, mas são mais nítidas as marcações do espírito.
-         Porém se observarmos, logo ali, se eleva, chegando ao norte, um pico com seus gumes, dourado de lua.
-         Vejo-o aproximando-se. É fato que deserta da areia fria dos outros feitos.
-         Parece movido de algum espanto.
-         Ou esperança...
-         Já não supunha reconhecimento...
-         Talvez farto de longo silêncio.
      O fio de lua que ainda se encorajava de mover suas marés na areia deitou alguma forma na tez pálida. Eram sombras vagas, vadias e presas, quase nada, quase nuas.
-    Movem-se de alguma coisa – suspirou Amadeu.
-         Por algum motivo – continuou Atílio.
-         Ainda nas veias a recordação da vida...
-         Pequenos espasmos de luxúria.....
-         Não se estimam aos nossos brios.
-         Estão roucas por se deitarem.
-         Mas antes escondem o vale das sombras.
     E esqueceram-se delas. Erguiam os cumes mas não levavam o vento. As horas sucediam-se sem esperanças. O calor levantou algumas bordas de cor quando começou o dia.
-         Mesmo o astro aparece sem bravura – observou Amadeu.
-         Cheio de cãs e supostas melancolias. Não agradece por iluminar terra tão infértil.
-         Talvez esquecido de aonde mora a abertura.
    Dormiram ao abrigo da aridez. Quando acordarão já começava o ensaio dos signos. Era visível a esperança derramada do carrossel do primeiro astro.
-         Amam por fim – suspirou Atílio.
-         Cortejam.
-         Querem enredar-se.
-         Dar ensejo.
-         Já apostam a demarcação.
-         Posso vê-la nua e ácida, guardada ao marido e prenhe dos valentes.
-         Anseia por fornecer-se.
-         Não tarda em revelar-se.
-         Porém, ainda suspeita...
-         É namorada cheia de escusas... desvirtuou-se, foi desvalida....
-         Sobre ela marcharam vis soldados.
-         Mas saberá reconhecer seus príncipes.
-         Enviemos-lhe as primeiras prendas.
    E deixaram que o deserto se povoasse de pétalas e frutos. Que as marés se conviessem aos arroubos até encontrarem o perfume do canto. Eram tantos os dias..

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