terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

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O guarda-chuva


Contam os mais antigos - normalmente cercados pelos olhos arregalados das crianças da família e com certeza diante da lareira nos dias frios e chuvosos do inverno - a história do tal guarda-chuva.
Era noite, na rua somente o silêncio e o medo. E ele, o homem. Grande capote preto. A garoa molhava seu rosto lentamente. Pois dizem que este homem, que voltava pra casa... E aqui não contam o que fazia fora de casa; perdido na chuva, trilhava pelas ruas da então jovem cidade de Pedro Osório, mais especificamente na Rua das Flores.
O cérebro conjeturando sobre os afazeres da vida e os prazeres e dissabores da existência. Sombra fraca e trêmula presa aos pés, pouca iluminação na rua.
Nesta época contam que a escuridão era soberana. E o medo também.
Pois bem, foi neste dia que ele voltava pra casa, mãos no bolso e cabeça nas nuvens, que tudo aconteceu. E depois dele, muitos outros também viram. E o que aqui conto é o relato que venho ouvindo de geração em geração nas rodas de conversa da minha família.
Sozinho com seus problemas, absorto em seus pensamentos, ele não percebeu o outro. Não tinha visto nem de onde e nem quando. Só sabia que ali estava.
Homem acostumado a não se assustar por pouca coisa - “matou” um arrepio que lhe subia pelas costas no peito e seguiu.
O outro homem portava um enorme guarda-chuva negro, grande morcego que se movimentava de acordo com o movimento dos passos da pessoa que o retinha.
E um frio antes não percebido começou a se fazer presente. Um frio que começava a invadir os ossos dele; acreditava ser a chuva. Estava molhado e um início de resfriado se insinuava... Febre?
Já caminhara – pelos seus cálculos – muitos metros, mas mesmo assim não chegava nunca em sua casa. O guarda-chuva sempre na frente. Silêncio mortal. Pesado. Nem os cães nem os gatos davam discurso na noite. Só os passos. Os passos dele.
Ficou intrigado. Estavam próximos, mas só ouvia os seus passos, não conseguia ouvir os passos do outro homem.
Tentou ver os pés. Mas a escuridão não permitia silhuetas, só a imaginação delimitava formas.
O coração dele começou a bater mais forte, e algo começou a zombar de sua coragem bem lá dentro do seu peito.
Neste momento já estava empapado de água da chuva, resolveu tirar tudo a limpo e enfrentar o homem que caminhava rapidamente a sua frente. Correu até ele e estancou na sua frente.
O mundo parou. Os relógios trancaram no horário que ali afirmava aquele bizarro encontro.
Sob o guarda chuva não havia ninguém, apenas a escuridão da noite. A parte mais escura, o espaço de todos os medos, o vazio de todos os silêncios e o silêncio de todos os gritos.
Medo. Dúvida. Temor. A rua de repente tornou-se negra como o breu, todas as luzes se apagaram e ele foi tragado pelo desespero.
Com dificuldade conseguiu afastar-se, e tropeçando e chocando-se pelas paredes das casas se pôs a correr o mais rápido que podia. Só que o guarda-chuva, inspirado pelo seu pavor, também lhe perseguia, em silêncio.
Corrida silenciosa e ofegante pelas Rua das Flores. Chegou em casa pálido como a morte. A mulher não conseguia entender nada. Nem ele.


1 Comentário

andre albuquerque

Um conto onde a própria atmosfera de apreensão e incerteza é protagonista.Parabéns.André