terça-feira, 13 de março de 2012

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Rosana,

O adultério é ou não é o problema mais antigo do mundo? Note bem que estou falando de adultério, ou seja, permitir que outras pessoas acessem seu corpo. Outras pessoas que não o parceiro socialmente aceito. Não estou nem falando em traição, porque não quero ter o trabalho de definir o termo, que pode abranger mesmo as esferas do pensamento para alguns, mas para outros pode não significar nem mesmo a socialização dos corpos.

Eu disse, não disse? "Você acabou de sair de um relacionamento de onze anos, Rosana. É normal que você queira ficar um tempo sozinha, ou galinhando por aí. É saudável". Cheguei a usar exatamente o termo galinhando, porque te conheço de outros carnavais, sei que é necessário bem mais do que isso para te deixar chocada. Afinal, devo te lembrar (e também me lembrar) que seu relacionamento de onze longos anos acabou porque você traía seu marido comigo. (E sabe-se lá com mais quem).

Talvez eu tenha te dito, mas eu mesmo não tenha escutado, Rosana. É como adotar um animal abandonado por ter mordido o último dono. Você não vai se ofender se eu te comparar com um animal, vai? Você sabe que Paquita jamais teria feito comigo o que você fez. Deveria se sentir honrada até, porque no fundo você sabe que é bem menos honesta do que a nossa vira-lata.

Mas adultério é careta, não é? "Coisa ultrapassada, Otávio!", talvez você pense. "Esse negócio de posse..." Consigo te ver com os tiques afetados que as pessoas da sua idade têm e que você tão bem disfarça, quando lhe convém, mas deixa transparecer quando fica nervosa. Eu te conheço melhor do que seus pais, que não sabem da missa a metade, principalmente do terço que rezávamos debaixo dos nossos lençóis e mesmo dos deles. Eu te conheço melhor do que você mesma, porque eu te fiz, mulher. Emprestei meus livros, te levei no cinema, cozinhamos juntos, te falei mal dos filósofos certos antes que você tivesse maturidade para entender do que se trata tudo isso... Sem falar em grana. Não quero e não vou te cobrar nada, mas posso te lembrar dos cursos que te dei de presente, porque achava que faziam parte da sua vocação. Não podia desconfiar que você freqüentava as aulas apenas para socializar com os coleguinhas. Por socializar, entenda você sabe muito bem o quê. Não sabe? Não sabe, Rosana? Porque no fundo eu mesmo sabia. Gente jovem e estúpida como você saindo pelos ralos do banheiro, é claro que você ia encontrar alguém. É claro que um dia você ia tirar as roupas que te dei para se deitar por cima de alguém. Eu sabia e você também.

Nada do que você faça é capaz de me surpreender, porque já fiz isso tudo e muito pior. Com o seu marido, até. Marido, ex, divórcio, palavras que você não "curte", mas com as quais vai precisar se adaptar, porque farão parte da sua realidade por muito tempo, ou por toda a sua vida, se você morrer antes de ficar velha, pelancuda e carcomida. Você é assim, não adianta lutar contra seu instinto sexual aflorado. Você não nasceu para ser mãe, nasceu apenas para tentar e tentar. E justificar sua falta de caráter com desculpas insípidas, como a procura da felicidade. Você não tem miolos para entender, mas guerras são travadas com essa desculpa, a procura da felicidade.

Bastava ter sido sincera, como eu sempre fui com você, como eu sempre pedi que você fosse comigo: "não estou mais feliz nesse relacionamento. Melhor terminarmos. Sinto atração por outras pessoas". Mas não, Rosana, porque a sua atitude não tem a ver com a sua felicidade. Você precisa se desenmerdar primeiro, antes de falar em felicidade. Não faz a mais vã idéia sobre o que seja isso. Sua atitude foi calhorda e covarde. Você fez o que as pessoas comuns fazem, porque é isso que você é: uma comum. A traição é comum, comum, você nem imagina o tamanho da vulgaridade. A sofisticação está em conseguir amar alguém de maneira transparente, mas você nunca vai experimentar isso, porque acha que amor é uma troca. Não é. Ao contrário, amor é entrega sem pedir nada em troca. Se vier algo em troca, ótimo. Se não vier, paciência. Ama-se ainda assim, talvez ainda mais. Mas perco meu tempo te explicando essas coisas. Você vai sair por aí trepando com quem dá vontade, confundindo afeto com amor, porque o abismo da sua carência é tão grande quanto o da sua insatisfação crônica com você mesma.

Não, Rosana. Nada disso tem a menor relação com a sua felicidade. Se tivesse eu entenderia, você sabe, há uma modernidade intrínseca no meu reacionarismo. O que você fez foi covardia. Você passava momentos agradáveis comigo - não excelentes, mas agradáveis, confortáveis até - e não quis abrir mão desses momentos, mas queria transar com outra(s) pessoa(s). Acho que muita gente é capaz de entender isso. A vida é feita de escolhas, você deveria ter feito a sua, escolher uma piscina para mergulhar de cabeça. Não se contentar com as migalhas de dois relacionamentos vazios, ainda mais por esse longo período. Nosso relacionamento estava vazio há tempos. Não venha me dizer que acha lindo tudo o que tivemos. Não tivemos nada que eu não pudesse ter (ou que já não tenha tido) com qualquer outra piranhazinha da sua idade. Aliás, é exatamente o que farei agora, procurar outra piranhazinha da sua idade. Porque eu sim assumo onde está a minha felicidade: em preencher o vazio que seus corpos representam.

Seu corpo (você) era um copo vazio, Rosana. Não mais que isso. Agora, admito, você transbordou e não me interessa mais. De minha parte, basta ir até a cozinha pegar outro copo. É simples. E você, como vai se virar com a recém-adquirida liberdade? Migrando para outra prisão? Se for o caso, guarde essa carta. Poupe o trabalho do seu futuro "amor".


P.S.: Não se iluda com as interrogações espalhadas ao longo do texto. Nada do que você diga pode vir a me interessar, mesmo enquanto ser humano. Além disso, se tem uma coisa que te ensinei foi a não responder cartas de amor com palavras. E, convenhamos, escrever realmente nunca foi seu forte.

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