Deveria ser breve. Pensava.
O pensamento não era breve. O pensamento era algo que não era. Breve. Insistente.
Impertinente. Questionando tudo e qualquer coisa. Inclusive aquilo. Deveria ser
breve. Mas não foi.
O morto estendido e o
choro. E todos. Todos os que eram indiferentes, e que voltariam a ser. Indiferentes.
Todos eles ali. Choravam. E ele. Não. Esperava que fosse tudo breve. Que o
ritual se concretizasse e que todos voltassem para suas vidas idênticas. Todos tinham
vidas idênticas?
Pensavam que não. Mas eram
iguais. Todos. Inclusive agora. Naquele momento em que o momento deveria
extinguir-se. Por que não eram breves? Assim como o pensamento que lhe
fustigava, também eles. Os outros. Os corpos dos vivos. Insistiam em não sair. Estavam.
Insistiam em estar. Marcar o lugar e o espaço. Mostrar lágrimas e caras
sofridas. Era o ritual. Era a coisa certa.
Mas ele não queria. Não
concordava. Queria a brevidade. Uma frincha entre um momento e o outro que
viria. Escapar. Fugir?
Até podiam dizer. Sim,
podiam dizer. Não acreditava mais na carcaça. A carne estendida. Respeito. Sim.
Respeitava. Respeitava a memória. As imagens da memória. Ainda lembrava. Lembrava
e era dolorido. E não queria chorar. E eles diziam que tinha que chorar. Que seria
bom. Pro diabo. Não queria chorar. Não queria a piedade dos outros. Queria a
brevidade. O instante se distendia e nada terminava.
A morte é estranha. Talvez a coisa mais
estranha. Mas também é simples. Deveria ser. Quando morresse queria a
simplicidade. Na verdade eram chatos. Todos eles eram uns chatos. Tinha setenta
e oito anos e muita dor nas costas. E todos eles eram chatos.
Levantou da cadeira. E saiu.
A filha o buscou com olhos incriminadores. Deu de ombros. Os jovens valorizavam
demais essas coisas. Eram amigos. Velhos amigos.
Na porta respirou
fundo. Chega de morte. Chega. O ar do dia gelou seu rosto. Deixou a morte. A morte
e seu ritual.
Sentou na pracinha. Algumas
crianças brincavam e gritavam. Sentiu vontade de um mate. Então pensou no
morto. Oitenta e sete. Oitenta e sete anos tinha o filho da puta. Sorriu. Toda manhã
tomavam mate. Os dois e mais o Antenor e o Porfírio. Quatro. Sobrara só ele.
Todos juntos. Deviam estar. Rindo dele. Tomando mate juntos. Os filhos da puta.
Tinham que morrer primeiro... sorriu.
As coisas tinham que
ser mais breves... ele tinha que ser mais breve. As dores nas costas... a
menininha veio correndo e cochichou no ouvido dele. Olhou para a ponta do dedo
da menina. Direção determinada. Três velhos sentados. “Um mate?” gritou um
deles.
O coração bateu forte,
sorriu, olho brilhando. Não acreditava. Olhou para um lado, para o outro...
Já não havia menina. Nem
banco nem amigos.
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