quarta-feira, 25 de julho de 2012

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O ANJO 12 - JANDIRA ZANCHI




12.

      Era um crepúsculo de azul escuro e ofuscante, salpicado de um sereno em verde, suave, quase irônico. Com um pouco de fervor era possível espiar a primeira estrela e uma sombra de lua e Ariane, no seu terraço, admirava a dança do lusco-fusco nas vidraças. A cada dia mais destituída de soberba permitia-se insossa, vazia, curando-se no desacreditar, atenta ao ritmo e ao vigor das coisas.
- Ângelo ! – e vez em quando acontecia de lhe escapar um grito, pois, se ele tardava,  sentia-se imersa nos longos  da noite.
- Estou aqui.
- Ainda bem...  veja como o oceano nunca esquece de aquecer a areia, de deixá-la tranqüila no momento do apagar das cores...  por que sempre me esquece ?
- Já tomou todos os ventos e as caravelas de nosso destino, você, mulher, que me interrogava com o vidrilho de seus olhos, de cujo corpo cheguei a temer a negação da alegria... pois, com essa voz de arrepios quer me ditar manias, oferecer crenças , horários...
- Tomei o horizonte como um aviso, o silêncio como um inimigo, as ausências como despedidas, a voz como uma ciência.  E fiz do fardo desse fado a minha anuência, pois, convenha, deve me restar alguma prenda, uma jóia, uma estima, já que não pode o vento, em sua estroinice, carregar o barco de toda uma vida.
- Você toma o medo como perigo. As relutâncias da entropia mastigaram um pedaço do teu peito. Não é fugaz ou simulada e assume essa meia lua, essa deriva.
- Estimo a liberdade, uma paz situada para além do controle, vivida apenas no ritmo da vida.
- Assim o penso também. São muitos os nossos acordos.
- Por mais que se esforce o humano, a angústia permanecerá. Ainda que se desarme, ainda que aquiete, que acenda círios e castiçais e levante os cânticos e acompanhe os pássaros, ainda, Ângelo, que se posicione no levantar do Sol, que se ajoelhe e aprimore os altares, que beba da água e do sal e namore em praias de espumas vernais, ainda estará o fio do fim à espreita na dúvida. Ainda. E, em algum momento, a lua, os desvios das estrelas, os tropeços dos pequenos corpos.
- Depois do primata e já nas asas do Anjo, ainda o estupor. Pois, amiga, passo tantos dias sem inquietar-me...
- Preso ao fuso claro e cético da luz.
- Quem sabe não me permita sofrer... não porque o tema, antes, porque, quando não me embriago, convido hóspedes para um banquete.
- Já percebo essa tua retidão luminosa e aqueço-me na planície. Mas não quero esse desnudar dourado ainda que tenha de continuar a viver com algumas esquisitices de minha alma. Não tão rápido.
- Tenho novas flores em meu jardim.
- Posso sentir-lhes o perfume em tuas aquarelas. São diletantes de vida, belas. Compreende-las não fere a vista, são mestras e convivas, de boa aventurança.
- Observe como brincam as estrelas mesmo que confusas quanto ao caminho.
- Abre-se a cordilheira dos astros sempre em paisagens diferentes. Nutrir essa alegria é recompor-se, bem sei.
- São ligeiros os instantes, multiplicam-se líquidos, movidos da surpresa de tão próximos chegarem. Apague-se delicadamente, com primor. Oriente-se pelo ponto além de si. Então, retorne. Já principiam as boas marés da planície.

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