12.
Era um crepúsculo de azul escuro e
ofuscante, salpicado de um sereno em verde, suave, quase irônico. Com um pouco
de fervor era possível espiar a primeira estrela e uma sombra de lua e Ariane,
no seu terraço, admirava a dança do lusco-fusco nas vidraças. A cada dia mais destituída
de soberba permitia-se insossa, vazia, curando-se no desacreditar, atenta ao
ritmo e ao vigor das coisas.
- Ângelo
! – e vez em quando acontecia de lhe escapar um grito, pois, se ele
tardava, sentia-se imersa nos
longos da noite.
- Estou
aqui.
- Ainda
bem... veja como o oceano nunca esquece
de aquecer a areia, de deixá-la tranqüila no momento do apagar das cores... por que sempre me esquece ?
- Já
tomou todos os ventos e as caravelas de nosso destino, você, mulher, que me
interrogava com o vidrilho de seus olhos, de cujo corpo cheguei a temer a
negação da alegria... pois, com essa voz de arrepios quer me ditar manias,
oferecer crenças , horários...
- Tomei o
horizonte como um aviso, o silêncio como um inimigo, as ausências como
despedidas, a voz como uma ciência. E
fiz do fardo desse fado a minha anuência, pois, convenha, deve me restar alguma
prenda, uma jóia, uma estima, já que não pode o vento, em sua estroinice,
carregar o barco de toda uma vida.
- Você
toma o medo como perigo. As relutâncias da entropia mastigaram um pedaço do teu
peito. Não é fugaz ou simulada e assume essa meia lua, essa deriva.
- Estimo
a liberdade, uma paz situada para além do controle, vivida apenas no ritmo da
vida.
- Assim o
penso também. São muitos os nossos acordos.
- Por
mais que se esforce o humano, a angústia permanecerá. Ainda que se desarme,
ainda que aquiete, que acenda círios e castiçais e levante os cânticos e
acompanhe os pássaros, ainda, Ângelo, que se posicione no levantar do Sol, que
se ajoelhe e aprimore os altares, que beba da água e do sal e namore em praias
de espumas vernais, ainda estará o fio do fim à espreita na dúvida. Ainda. E,
em algum momento, a lua, os desvios das estrelas, os tropeços dos pequenos
corpos.
- Depois
do primata e já nas asas do Anjo, ainda o estupor. Pois, amiga, passo tantos
dias sem inquietar-me...
- Preso
ao fuso claro e cético da luz.
- Quem
sabe não me permita sofrer... não porque o tema, antes, porque, quando não me
embriago, convido hóspedes para um banquete.
- Já
percebo essa tua retidão luminosa e aqueço-me na planície. Mas não quero esse
desnudar dourado ainda que tenha de continuar a viver com algumas esquisitices
de minha alma. Não tão rápido.
- Tenho
novas flores em meu jardim.
- Posso
sentir-lhes o perfume em tuas aquarelas. São diletantes de vida, belas.
Compreende-las não fere a vista, são mestras e convivas, de boa aventurança.
- Observe
como brincam as estrelas mesmo que confusas quanto ao caminho.
- Abre-se
a cordilheira dos astros sempre em paisagens diferentes. Nutrir essa alegria é
recompor-se, bem sei.
- São
ligeiros os instantes, multiplicam-se líquidos, movidos da surpresa de tão
próximos chegarem. Apague-se delicadamente, com primor. Oriente-se pelo ponto
além de si. Então, retorne. Já principiam as boas marés da planície.
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