quarta-feira, 11 de julho de 2012

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O ANJO 10 - JANDIRA ZANCHI





10.

      Passaram-se dez meses. Ariane e Ângelo, nesse tempo, pouco conversaram sobre os modos de seu faceiro método. Ao redor da filha e açoitados por um frio inesperado, pois fazia muito vento na ilha, deram preferência às suas atividades de técnica e arte e aos cuidados do lar.  Vez em quando convidavam os amigos do lugar para um almoço ou jantar. Faziam pequenas excursões para grutas e bosques próximos e descobriram cabanas e pequenos edifícios de pedra que indicavam o assentamento em tempos passados de comunidades com alguma cultura.  O que os aproximava dos lugares mais ermos, porém, era a vontade de fitar o céu, sondar-lhe uma orquestra de calmaria e satisfação. Um lugar em particular acabou por encantá-los. Para poder chegar era preciso subir uma encosta muito alta e a vegetação, espessa, dificultava o acesso. De uma casa antiga restavam paredes e muros muito caiados. O que fora uma fonte, uma mesa e bancos de pedra faziam imaginar um belo jardim e, mesmo que o terreno estivesse invadido por um mato alto e carcomido o piso do pátio, era agradável sentar-se em algum tronco e ficar por ali. Os dois costumavam levar suas telas e esquadros, deixando a criança aos cuidados de uma ama.
      Vez ou outra, depois de algum tempo de concentração, saiam dos domínios da casa para apreciar um Sol majestoso e tranqüilo, entrevisto atrás de um monte, sugerindo uma natureza estável e antiga.
- Sinto como se de certa forma morasse aqui.
- Eu também – consentiu Ângelo.
- A casa ainda tem energia, parece recente o período da vida dentro dela.
- Boas pessoas a habitaram.
- É verdade. Essa generosidade permanece nos elementos. Por que não a reconstruímos e fazemos, aqui, o nosso lar?
- Vai precisar de um muro...  é uma altura perigosa para uma criança – e mostrou-lhe o horizonte.
      E cismados deixaram-se ficar, voltando por dias e dias ao mesmo mirante, deixando-se penetrar e relaxar na antiga construção. Ariane sondou o terreno de muitos modos e sentidos até investir-se de todos os seus eixos e círculos azuis.  Não sentia mais a tensão dos músculos, antes, estava açoitada na terra e ventilada na noite.
- Assim posso quietar-me. Ao longe o horizonte, os luares e as brisas de bom silêncio. O rosnar de uma filha, o beijo de um amante. Vinho róseo em ouro líquido tépido no cair da tarde. Um ou outro pode trazer uma lira, os ditados de um bom livro em romances de erva doce, estórias das facetas da vida, as declamações da virtude, os ensejos das inquietudes. Em alguns dias percorrer o povoado, enfiar-se na feira e no mercado, assobiar no teatro e no cinema, já em casa a distrair os convidados. Enquanto se abstraí de um plano, enfoca-se em outro.Os anos, que remédio, vão se enfileirando, em marcha criando seus sinistros e nódulos, mas, te sorri uma filha, um homem ainda te aquece o leito, não são tão frias as manhãs do outono. Quando se gastaram os melhores anos já se desenhou a face e seu consolo. É guardar-se no tempo, amoldar-se sinuosa, valente com o seu Anjo. Um recanto e um encanto como se tua fosse a terra, as águas, os lírios, os enfeites, os gritos de seus pássaros.

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