- Bem ,eu só sei que o nome dele
era Rui,o resto,não sei ou não lembro se ele me falou alguma vez .Chegou numa
manhã garoenta ,falando que viu a placa dependurada na entrada ,dizendo da
precisão de um garçom . Tinha trabalhado uns tempos num restaurante , lá para
as bandas da Augusta .Entendeu-se com o seu Horácio e começou logo a trabalhar
.Sotaque nordestino , já meio amaciado , lá de Pernambuco. Simpático, atencioso
,mas de simpatia medida aos palmos ,bem controlada, sabe ? Ria , mas sem
mostrar os dentes . Eu , que não nasci ontem , reparo logo essas coisas . Êita
, cabra escorregadio .
Pontual , nunca faltou um dia em dois
anos , nem por doença . Entrava e saía na hora , mas não enjeitava hora extra,
não .Falava em tudo, menos de si ,da vida dele mesmo. Quando a gente pensava
ouvi–lo falando de si , já estava era discutindo a escalação do Corinthians ou
os engarrafamentos na Marginal . Vaselina todo , o Rui . Servia muito bem as
mesas , dizia nunca ter freqüentado senac nem escola de garçom nenhuma .Claro, a
gente pensava que fosse mentira , pabulagem besta .Ah ! Bom de serviço mas ruim
de bola .
Jogava de atacante nas nossas peladas
. Meio barrigudo , alto, de pés pequenos , mais levava baque que jogava bola
.Mas sempre bem - humorado . Acho que aquela doidice era o jeito dele jogar
mesmo .Grande figura o Rui .Todo mundo gostava dele . Na noite de seis de março
, chegou um senhor já meio coroa no restaurante . Tinha telefonado e reservado
mesa para três pessoas , ele e mais dois caras mais jovens , parecidos com ele
, cara de um, focinho do outro , dizem lá na minha terra . O coroa falava num
sotaque nordestino muito forte , puxava de uma perna ... Não lembro qual .
Olhava todo mundo de cima , cara acostumada a mandar , a gente conhece logo,servindo
esse povo há anos . O Rui atendeu , ficou meio sem jeito quando encarou o velho
, mas não disse nada .
Trabalhou muito bem ,como sempre. O
jantar foi normal , igual a todos os outros .Pediram sobremesa para os três .
Fui até á entrada , papear com o Nonato , o manobrista , aquele cearense que
esteve aqui também .Retornando ao salão, vejo o Rui trazendo uma compoteira
grande , enorme e pouco usada .Pôs encima da mesa do coroa , fez uma mesura e destampou- a . O
coroa olhou para ele , vermelho feito
uma manga-rosa . Levantou – se ,
o guardanapo no pescoço todo enrugado. Rui puxou um revólver não sei de onde ,
sapecou – lhe três tiros,um champanhe de sangue pipocou no peito do velho ,
mais um tiro em cada acompanhante e no derradeiro , estourou os próprios miolos
.....meu Senhor do Bonfim ,que bagaceira ... mas foi assim mesmo .Olhe ,só de
maitre tenho já vinte anos . Vi de tudo
na minha vida , menos alguém servir compota de merda aos assassinos da sua
família ,com aquele sangue frio e ainda por cima , dar chumbo grosso de
saideira .Desculpe a minha fala , mas esse mundo é muito estranho , doutor
delegado .
2 comentários
Fome de justiça e de vingança. Um final com todos ao molho pardo, inclusive o garçom. Narrativa concisa arrebatadora. Ótimo texto, André.
Marcelo: grato pelo olhar e comentário ; grande abraço.E um garçom geladíssimo para acompanhar o molho pardo,rs,rs,rs.
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