quarta-feira, 1 de agosto de 2012

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O garçom


           

­- Bem ,eu só sei que o nome dele era Rui,o resto,não sei ou não lembro se ele me falou alguma vez .Chegou numa manhã garoenta ,falando que viu a placa dependurada na entrada ,dizendo da precisão de um garçom . Tinha trabalhado uns tempos num restaurante , lá para as bandas da Augusta .Entendeu-se com o seu Horácio e começou logo a trabalhar .Sotaque nordestino , já meio amaciado , lá de Pernambuco. Simpático, atencioso ,mas de simpatia medida aos palmos ,bem controlada, sabe ? Ria , mas sem mostrar os dentes . Eu , que não nasci ontem , reparo logo essas coisas . Êita , cabra escorregadio .
Pontual , nunca faltou um dia em dois anos , nem por doença . Entrava e saía na hora , mas não enjeitava hora extra, não .Falava em tudo, menos de si ,da vida dele mesmo. Quando a gente pensava ouvi–lo falando de si , já estava era discutindo a escalação do Corinthians ou os engarrafamentos na Marginal . Vaselina todo , o Rui . Servia muito bem as mesas , dizia nunca ter freqüentado senac nem escola de garçom nenhuma .Claro, a gente pensava que fosse mentira , pabulagem besta .Ah ! Bom de serviço mas ruim de bola .
Jogava de atacante nas nossas peladas . Meio barrigudo , alto, de pés pequenos , mais levava baque que jogava bola .Mas sempre bem - humorado . Acho que aquela doidice era o jeito dele jogar mesmo .Grande figura o Rui .Todo mundo gostava dele . Na noite de seis de março , chegou um senhor já meio coroa no restaurante . Tinha telefonado e reservado mesa para três pessoas , ele e mais dois caras mais jovens , parecidos com ele , cara de um, focinho do outro , dizem lá na minha terra . O coroa falava num sotaque nordestino muito forte , puxava de uma perna ... Não lembro qual . Olhava todo mundo de cima , cara acostumada a mandar , a gente conhece logo,servindo esse povo há anos . O Rui atendeu , ficou meio sem jeito quando encarou o velho , mas não disse nada .
Trabalhou muito bem ,como sempre. O jantar foi normal , igual a todos os outros .Pediram sobremesa para os três . Fui até á entrada , papear com o Nonato , o manobrista , aquele cearense que esteve aqui também .Retornando ao salão, vejo o Rui trazendo uma compoteira grande , enorme e pouco usada .Pôs encima da mesa  do coroa , fez uma mesura e destampou- a . O coroa olhou para ele , vermelho feito  uma  manga-rosa . Levantou – se , o guardanapo no pescoço todo enrugado. Rui puxou um revólver não sei de onde , sapecou – lhe três tiros,um champanhe de sangue pipocou no peito do velho , mais um tiro em cada acompanhante e no derradeiro , estourou os próprios miolos .....meu Senhor do Bonfim ,que bagaceira ... mas foi assim mesmo .Olhe ,só de maitre tenho já  vinte anos . Vi de tudo na minha vida , menos alguém servir compota de merda aos assassinos da sua família ,com aquele sangue frio e ainda por cima , dar chumbo grosso de saideira .Desculpe a minha fala , mas esse mundo é muito estranho , doutor delegado .

2 comentários

Marcelo Pirajá Sguassábia

Fome de justiça e de vingança. Um final com todos ao molho pardo, inclusive o garçom. Narrativa concisa arrebatadora. Ótimo texto, André.

andre albuquerque

Marcelo: grato pelo olhar e comentário ; grande abraço.E um garçom geladíssimo para acompanhar o molho pardo,rs,rs,rs.