A boca abria e os
lábios se moviam. E o som era mudo. E a aula estava vazia. Vazia de sentido
qualquer. Morna. Chata. Nem os gestos engraçados, nem as caretas do professor
faziam diferença. Até a conversa que atravessava todos, aqueles assuntos que
nada dizem e que todos gostam. Nem isso.
Era um nada. Mas não era um nada qualquer. Não era aqueles nadas tranquilos. Em que o sono
tamborila cantigas de fazer dormir. Não. Era um nada terrível.
Nada
afiado e pontiagudo. Certa dor . Certa angústia. Incerteza certa. Única certeza
clara. Esperava o sinal para acabar. Sempre esperava. Para sair. A porta e sua
abertura, sua oferta para o outro lado.
E na rua pensava na
aula e no seu espaço de nada. Estava intrigado. Ansiava pela rua, mas na rua a
imagem do vazio da aula o instigava, inquietava. Rua e aula, aula e rua.
Que bom que a rua
atravessasse a aula. Pensava. A aula, todos sentados, e a rua caminhando entre
eles. Rua de cores e gente, de cachorro e gato brigando e correndo. E o quadro
negro, cheio de sol e chuva e guarda-chuva até e gurizada jogando bola e a bola
derrubando as classes e o lápis desenhando a bola e as classes que caiam e a
palavra descrevendo o ato e a rua e a própria palavra de sorriso e dente branco
de imaginação que estava. Agora.
Que bom seria ir buscar
o pão pela manhã na padaria do Filomeno, cheiro de pão quentinho, e de repente
sentar um pouquinho para falar com um amigo sobre o sabor e prazer de comer o
pão, e a manteiga e o café, e levantar e sair pela rua que atravessa a parede
que agora é porta para a rua que leva para dentro e fora da escola que agora
também é rua. Que bom ...
Que o professor de
ciência levasse em dia de chuva, com capa e bota e guarda-chuva, todo o mundo
pra ver os sapos e as minhocas e o barro e água que cresce nas calçadas, e que
o professor de história puxasse cada pedra da rua para dentro da escola e
contasse como eram as gentes que caminharam por anos sobre aquelas pedras e o
que fizeram e como fizeram... e que as janelas da aula fossem grandes e
clarinhas, como as janelas das casas que a gente desenha, e que desse pra gente
abanar os amigos e comer "vergamota" e atirar as cascas no
cantinho... cheiro de bergamota é coisa boa, cheiro de infância, quem não gosta
é porque já perdeu esse tempo. Desgrudou do corpo e da alma; o cheiro...
Pensava em ler poema
aos gritos sobre os muros e árvores. E correr no campo e sentar na grama. Pensava
muito. Era sempre assim.
E a professora não
entendia o que não estava ali. No quadro ou em figura determinada,
representada-explicada. Era cansada a professora. Peso enorme carregava. E tinha
pena. A professora e a escola. Pesadas e cansadas.
Em casa apanhou o lápis
de criar sonhos de cores que tudo podia e desenhou a escola ideal. Rua no meio
que passava e atravessava a peça e as crianças abanavam a vida da janela de
mãos maiores que as cabeças que sorriam em meias luas que seriam o sol a-marelo
e um arco-íris e uma professora na ponta que caminhava nas cores em arco e deslizava
de braços abertos da escola pra rua e as crianças também faziam.
No outro dia colocou o
desenho de cores e forças todos que tinha e possuia sobre a mesa morta e seca e
pálida que a professora estava chegando e pegou. E parou. E chorou. Pequena lágrima
que abraçou a todos e todas e tudo que ali estava e abriu tudo que foi janela e
porta e sorriso e cores e falas e livros e flores e selvas e mares e sons e
forças.
O menino era mágico. Todos
estavam no seu desenho.
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