Das muitas crises pelas quais a humanidade passou, essa, seguramente
possui uma singularidade. Ela pode significar o fim de nossa existência
sobre este planeta ou um salto para um novo patamar de civilização,
ecoamigável, justa, compassiva e fraterna. A grande maioria da
Humanidade e os tomadores de decisões dos povos não se conscientizaram
ainda desta nova situação. A Rio+20 o mostrou escandalosamente. Não se
tomaram decisões. Foram proteladas para 2015. Não obstante esta atitude
insana, alguns fatos estão produzindo um novo estado de consciência na
Humanidade. Podem ocasionar mudanças radicais. Eis alguns deles.
O primeiro é
a consciência de que podemos nos autodestruir. O fim do mundo humano
não precisa ser mais obra divina, mas decisão dos seres humanos. Hoje
os países militaristas dispõem de uma máquina de morte com armas
nucleares, químicas e biológicas, capazes de destruir, por 25 formas
diferentes, toda a espécie humana. Podemos ser não só homicidas e
biocidas mas também ecocidas e geocidas.
O segundo é a
descoberta da unidade Terra e Humanidade. É o legado que os astronautas
nos deixaram. Eles testemunharam: a partir de nossas naves espaciais se
comprova que não há separação entre Terra e Humanidade. Formam uma única
entidade. Nós somos a porção da Terra que sente, pensa, ama e cuida.
Humanidade e Terra são interdependentes e indivisíveis. Posteriormente,
os cientistas demonstraram que a Terra é um sistema biofísico que regula
os climas, garante a fertilidade dos solos e rege as corrente
marítimas. Chamaram-na de Gaia, a Pacha Mama dos andinos.
O terceiro são
as mudanças climáticas com seus eventos extremos, coisa que os céticos
não podem negar. Parte delas pertence à geofísica da Terra, mas a outra,
acelerada, é em grande parte, produzida pela atividade humana. A roda
já está girando e não há como pará-la. Ao alcançar dois graus Celsius, o
aquecimento será ainda admnistrável. Com a entrada do metano e do
nitrato, o clima poderá acercar-se de quatro e a cinco graus Celsius.
Isso tornará grande parte da vida conhecida no planeta impossível.
Milhões de seres humanos correm risco de desaparecer.
O quarto fato
é o fim da matriz energética baseada nos produtos fósseis como o
petróleo, o gás e o carvão. Temos consciência de que não podemos mais
sustentar este tipo de civilização altamente energívora. Precisamos
desenvolver fontes alternativas limpas, baseadas na água, no sol, no
vento, nas marés e na biomassa. Mas todas juntas são insuficientes para
sustentar o nosso tipo de civilização. Forçosamente devemos mudar nossas
formas de produção e de locomoção.
O quinto fato é a
tragédia social que afeta grande parte da Humanidade. As três pessoas
mais ricas do mundo possuem ativos superiores a toda riqueza de 48
países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas
sozinhas acumulam mais riqueza que 3 bilhões de pessoas, o que equivale a
45% da humanidade. O resultado é que 1,2 bilhão de pessoas passam fome
e outras tantas vivem na miséria; no Brasil mais ou menos 5 mil
famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados senão
expressar um aterradora desumanidade?
Por fim, o sexto fato
é a consciência de que um outro mundo não é só possível mas necessário.
Esta consciência ganhou expressão e visibilidade nos Fóruns Sociais
Mundiais e na Cúpula dos Povos como agora durante a Rio+20. A nova ordem
nascerá a partir de baixo, da contribuição de todos os povos e das
culturas e marcará uma nova etapa da Humanidade e da própria Terra. Uma
superdemocracia planetária deverá forçosamente surgir, e ela englobará
Terra e Humanidade num único destino comum. Mas há que reconhecer que
estamos dentro de um círculo vicioso, e não sabemos como sair dele.
Devemos produzir para atender ao consumo e criar postos de trabalho. Mas
quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o
momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de
consumir, fechar-se-ão as fábricas, criar-se-á o desemprego, surgirá a
fome e a miséria, estourará a convulsão social. Para onde vamos?
Ninguém o sabe exatamente.
O certo é que assim como está, a
sociedade mundial não poderá continuar. A prosseguir por este caminho,
nos acercaremos do abismo. O ideal que se impõe é: como produzir o que
necessitamos em harmonia com os ritmos da natureza, com sentido de
distribuição equitativa entre todos e nunca perdendo de vista nossos
filhos e netos que virão. Uma saída possível seria passar do capital
material para o capital humano e espiritual. Nele ganhariam
centralidade o ganha-ganha, a solidariedade, o cuidado que levarão a
outras formas de produção de consumo e de respeito aos limites da
Terra.
Cada pessoa constitui uma república, dizia Edgar Morin,
de 30 bilhões de células que se põem de acordo para manter o equilíbrio
do sistema-vida. Como não será possível uma sociedade humana que
conta com apenas 7 bilhões de seres humanos não pode colocar-se de
acordo para viver em paz com a Terra, com todos os povos e com o próprio
coração?
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é escritor.- lboff@leonardoboff.com
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