terça-feira, 11 de setembro de 2012

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Atravessando ruas




Atravessar a rua era perigoso. Sempre havia um certo perigo em atravessar qualquer coisa. E estava temeroso. Sempre estava. Existia um medo. Um medo que se alastrava por dentro, tomando espaço e possuindo todos os órgão do seu corpo. Os carros eram terríveis, coloridos e barulhentos. Poluíam tudo. E as ruas eram cores em fluxo e os cabelos tremiam com o vento e a poeira também sujava e as pessoas corriam, arriscando a vida. Por entre todos os carros e cores. Nos jornais algumas morriam. Não tinha visto ao vivo. Tinha curiosidade. Como seria? Mas tinha medo.  O espaço em que o corpo é arremessado, a dor e o pânico da caída, do tombo. O rosto de pânico do motorista. O sangue e a pele e o osso do corpo e a lata do carro. E a borracha das rodas e as freadas e os choques dos outros carros e os gritos e a dor de todos...
Mas tinha que atravessar. Todos tinham. A vida era assim. Travessia?
Ao lado uma mulher o observava. Gostosa. Bonita. Saia curta sandália bonita. Sorriso caindo do rosto em olho brilhante e vivo de verde luz. Pensou que podia se apaixonar. Ela atravessou, corridinha. Corpo singular entre os carros que buzinavam. Do outro lado. Já estava. Longe dele e de seu amor, sua paixão e sexo. O rio de carros interrompendo o fluxo de sua vida. Estava estático. As pernas não obedeciam.
Podia correr, sabia que podia. O cérebro lhe indicava isso. Mas as pernas estavam em greve. Mortas. Assustadas com a força do caos que fervilhava em sua frente. Energia pura.
Um cachorro cheirou suas pernas. Preto e feio. Rabo balançando, farejando qualquer coisa. Iria atravessar também? Não se animou. Voltou por onde viera. Farejando, balançando o rabo.
Havia um sol. Forte e amarelo e quente. E os carros todos. Motores e latas e ferros. E borracha e gente sentada. Gente sentada quase voando. Todos sentados correndo pela rua. Parecia meio ridículo.  Mas não importava. Iria atravessar. Já estava ficando apavorado. A casa distante e aquele medo.
E então sorriu. Assim. Um sorriso que surge de pensamento que não estava e chega. Chega de súbito, invadindo, arrebentando todo os outros.
E lançou-se na rua. Entre os carros e o fluxo de energia e barulho e força. E o corpo desmanchou-se em fragmentos. Pó.
No hospital os filhos se abraçaram. Havia uma tristeza e um alívio. "Descansou." Dissera um médico.
Então arregalou os olhos e gritou.
O médico caiu sentado. Estava vivo. Novamente vivo.

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