Devaneio ao som de La
Cathédrale Engloutie, de Claude Debussy.
A verdade é que a lenda de lenda não tinha nada, pois juro
sobre a Bíblia que vi a catedral engolida pelas águas, com suas ogivas góticas,
seus altares e seus dezesseis sinos mudos há séculos. Ali jaz, até que
razoavelmente conservado, o sacerdote de então. Ia com a missa pela metade, já que a história nos dá conta que estava na homilia quando as águas o calaram. E
foi-se de estômago cheio, pois regalou-se na véspera com iguarias da Irlanda e
vinhos da Normandia, trazidos por um fiel recém-chegado do velho mundo. Apesar
do desencarne com o apetite satisfeito, trazia a testa franzida, como se
advertisse os fiéis do dia do juízo final. Não muito longe da batina, pequenos
peixes iam e vinham virando as páginas de um missal, com fecho folhado a ouro.
Confessionários de ponta-cabeça, tomados por corais, bailavam sem gravidade,
levando de vez em quando trombadas de tubarões. Um caco de vitral, do quinto
mistério do rosário, prendia na areia a conta de água do mês. Paga após o
vencimento, com multa e juros de mora.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
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Email: msguassabia@yahoo.com.br
2 comentários
A poesia do surreal,em um grande momento.Inspirado e com imagística bela e instigante.Forte abraço.
Oi, André. Obrigado mais uma vez pelo estímulo. Sua opinião é sempre muito valiosa. Abraços!
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