Há
duas semanas atrás, meu marido me chamou
e disse:
- Preciso contar a você
quem fui. Você conheceu o lado bom de minha vida, que foi o que passamos
juntos. Nunca me perguntou nada. Estou com 75 anos dos quais 20 vivi com você,
e pode ter certeza que foram os anos mais abençoados que Deus me deu.
- Só se você quiser,
afinal, nunca perguntei nada porque sempre confiei em você. - falei.
- Mas, preciso contar-lhe.
É como uma confissão. Algo que me aliviará. Se eu morrer amanhã, estarei com a consciência tranquila.
Peço que não me interrompa, me deixe falar, por favor. - e segurava minhas mãos
docemente.
Quando
eu nasci, minha mãe morreu. Sempre
acreditei não ter sido a causa de sua morte, acho que fui, pois meu pai nunca
disse nada, estava sempre bêbado. Criei-me nas ruas, comendo quando me davam
alguma coisa, ou ficando dias sem comer nada. Às vezes quando comia alguma
coisa no lixo, mesmo que estivesse estragado, meu estômago aceitava e não fazia
mal, pois estava tão necessitado daquela comida que tudo parecia bom. Foi assim
que vivi, nas ruas, até os treze anos. Mesmo me alimentando mal, cresci
bastante, para a idade era bem alto. Magro como uma vara, mas alto. E para um
menino grande ninguém dá nada. Dizem: "vá trabalhar vagabundo", e
batem a porta com força.
Assim,
vivendo nas ruas, sujo, com trapos pelo corpo, ninguém me dava emprego. Quando
pedia para trabalhar em algum lugar, perguntavam: "você sabe ler?" -
não, não sabia, nunca estudei, pois meu pai, sempre bêbado nunca se preocupou
em me dar estudo. Diziam que ele passou a beber quando mamãe morreu, e que
perdeu a vontade de viver também. Acho que era verdade, pois morreu quando eu
ainda tinha 10 anos. Sem estudo, sem emprego, fui parar nas mãos de um
traficante de drogas. O homem simpatizou comigo, me deu roupas, sapatos,
colocou-me em um colégio, mas, dizia: "para pagamento disso tem de
trabalhar", e o trabalho era buscar pacotes de drogas em algum lugar
pré-determinado, e deixar com algum capanga dele em outro local. Era trabalho
fácil. De manhã ia para o colégio, a tarde ia buscar pacotes de drogas. Fazendo
isso tinha comida boa, sapatos novos sempre que precisava, dinheiro para o
cinema e para os doces. Doces que por muitos anos só olhava nas vitrines das
lojas e nas padarias da cidade, agora podia comer quantos quisesse. Morava em
um quarto limpo e decente, era bem tratado pelo pessoal da casa. E o mais importante, não consumia drogas. O
patrão dizia: ‘você nem tente experimentar. Eu o proíbo’.
A
casa onde o homem morava era muito bonita. Rica mesmo. Tinha piscina, que podia
usar quando quisesse, jardins limpos e bem cuidados por um jardineiro que
morava em uma casinha nos fundos do terreno. A comida era feita por um chinês
que estava sempre de roupa branca e muito limpa. A limpeza da casa era por
conta de uma senhora gorda que morava há muitos anos ali, e um cara gay que
ajudava em tudo, desde a limpeza dos tapetes até arrumar a mesa do almoço. Mas
tudo sempre estava muito asseado e bem cuidado. Vivia muito feliz ali.
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