quinta-feira, 27 de setembro de 2012

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Compensação - Capítulo IV


Há duas semanas atrás,  meu marido me chamou e disse:

- Preciso contar a você quem fui. Você conheceu o lado bom de minha vida, que foi o que passamos juntos. Nunca me perguntou nada. Estou com 75 anos dos quais 20 vivi com você, e pode ter certeza que foram os anos mais abençoados que Deus me deu.

- Só se você quiser, afinal, nunca perguntei nada porque sempre confiei em você. - falei.

- Mas, preciso contar-lhe. É como uma confissão. Algo que me aliviará. Se eu morrer amanhã, estarei com a consciência tranquila. Peço que não me interrompa, me deixe falar, por favor. - e segurava minhas mãos docemente.

Quando eu nasci, minha mãe morreu.  Sempre acreditei não ter sido a causa de sua morte, acho que fui, pois meu pai nunca disse nada, estava sempre bêbado. Criei-me nas ruas, comendo quando me davam alguma coisa, ou ficando dias sem comer nada. Às vezes quando comia alguma coisa no lixo, mesmo que estivesse estragado, meu estômago aceitava e não fazia mal, pois estava tão necessitado daquela comida que tudo parecia bom. Foi assim que vivi, nas ruas, até os treze anos. Mesmo me alimentando mal, cresci bastante, para a idade era bem alto. Magro como uma vara, mas alto. E para um menino grande ninguém dá nada. Dizem: "vá trabalhar vagabundo", e batem a porta com força.

Assim, vivendo nas ruas, sujo, com trapos pelo corpo, ninguém me dava emprego. Quando pedia para trabalhar em algum lugar, perguntavam: "você sabe ler?" - não, não sabia, nunca estudei, pois meu pai, sempre bêbado nunca se preocupou em me dar estudo. Diziam que ele passou a beber quando mamãe morreu, e que perdeu a vontade de viver também. Acho que era verdade, pois morreu quando eu ainda tinha 10 anos. Sem estudo, sem emprego, fui parar nas mãos de um traficante de drogas. O homem simpatizou comigo, me deu roupas, sapatos, colocou-me em um colégio, mas, dizia: "para pagamento disso tem de trabalhar", e o trabalho era buscar pacotes de drogas em algum lugar pré-determinado, e deixar com algum capanga dele em outro local. Era trabalho fácil. De manhã ia para o colégio, a tarde ia buscar pacotes de drogas. Fazendo isso tinha comida boa, sapatos novos sempre que precisava, dinheiro para o cinema e para os doces. Doces que por muitos anos só olhava nas vitrines das lojas e nas padarias da cidade, agora podia comer quantos quisesse. Morava em um quarto limpo e decente, era bem tratado pelo pessoal da casa.  E o mais importante, não consumia drogas. O patrão dizia: ‘você nem tente experimentar. Eu o proíbo’.

A casa onde o homem morava era muito bonita. Rica mesmo. Tinha piscina, que podia usar quando quisesse, jardins limpos e bem cuidados por um jardineiro que morava em uma casinha nos fundos do terreno. A comida era feita por um chinês que estava sempre de roupa branca e muito limpa. A limpeza da casa era por conta de uma senhora gorda que morava há muitos anos ali, e um cara gay que ajudava em tudo, desde a limpeza dos tapetes até arrumar a mesa do almoço. Mas tudo sempre estava muito asseado e bem cuidado. Vivia muito feliz ali.

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