O ANJO
21.
-
Terminamos? – ele sorriu.
- Sim!
-Então
sabemos. Conhecemos nossas fronteiras e desejos, opróbrios e medos.
- O
milagre intocável em sua pureza, quase não é crível que em torno da clareira
possa ter havido debates, equívocos, seres enfiando-se em túneis e pontes sem
viço.
- Os
pássaros ainda gorjeiam, nunca deixaram de fazê-lo.
- Em
alguns fins de tarde de muito sol e alegria ali estão, ingênuos, profundos,
para além da metafísica barata dos maus instintos, em hino de fé e
desprendimento.
- Acompanhemo-los.
- Vão
levar-nos até o alto daquele penhasco... se voasse...
-
Esqueceu-se?
- Esse
furor no alto do estomago entorpeceu-me. Vícios de lógicas, intestinos de um
bom senso arcaico e vazio tiraram-me a Ave e sua métrica essa ligeireza prima e
primada de si. Por algum motivo e de preferência em algumas horas encontra-se
aquele que é dito como o divino, divagado, ascendido, acionado, um fluir de
paz, a água leve levando na areia uma espuma sem vingança. Simplesmente
manifesta-se e abre a alma para todos os que se afinam com a orquestra.
- Então,
minha Ariane, tira esse capuz e a manta negra de muitas léguas e solidão,
afaste-se do purgatório das grandes naves das igrejas medievais e corra pelo
átrio, tão belo, sereno dos passos dos bons monges, rodeado da penugem branca
das flores. E promete-se, enamora-se, conversa com alguma criança, cumprimenta
um aldeão. A taça de vinho vai ser te oferecida pela filha e da mão do marido
receberás o pão. O canto dos Anjos levará ao cume, para estrelas de longas
viagens e infinitas tentativas, madrigais de luz.
- Sentar-me-ei
com os Anjos ao cantar da sombra da noite. Serei a primeira a acenar para a
primeira estrela e a decorar todas as outras. O cheiro do mato vai invadir-me
enquanto silencia o pássaro, que emudece para gorjear sua algazarra o coro
celeste. A terra, bem sei, vai me ouvir em sua boa mansidão, aconselhar-me dois
ou três segredos, oferecer seu pasto branco.
O princípio estará tonificado no fim e esse não se medirá pelo tempo de
nenhum ser ou coisa. Apenas seguirá já que tece seu arco em torno de uma
flecha. Fincados em um espaço, abriremos o sulco de nossas gargantas para
retermos o ar e a admiração. Lentamente, como fontes vermelhas e seguras de
luz, apagaremos, imersos em outro sonho. Sem vontade e voluntariosos no espaço
bendito, aberto para nós.
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