domingo, 23 de setembro de 2012

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Pequenas histórias 19










                                                  Caminhava com dificuldade

Caminhava com dificuldade. O vento fustigava violentamente seu corpo protegido, mas mesmo assim, apesar dos grossos óculos, sentia pequenos grãos afiados de areia cortando a pele por baixo da roupa feita especialmente com material sintético. Com o corpo meio arcado para frente, procurando impulsionar as pernas, levava inconscientemente à mão aos óculos na esperança de enxergar melhor. O que dificultava mais ainda.
- Cacete. Onde foram me jogar esses desgraçados, pensou em voz alta. Fazia dois dias que estava nesse horrível planeta. E pensava quanto faltava para sair dele. Viera disfarçado para uma missão, o que sabia ser um aforismo de linguagem. Viera mesmo para cumprir uma penalidade, uma penalidade que tinha a nítida noção da certeza, assim como tinha a noção da certeza do vento fustigando-o, ser ele um inocente.
De antemão, não podia se rebelar, gritar sua inocência, ninguém o ouviria. O que tinha apenas a fazer era cumprir as regras, as leis do planeta, e ficar de olho em todos os detalhes e, quando chegasse o momento, provar a inocência.
Sorriu, apesar do desconforto da roupa. Sorriu sim, e porque não deveria sorrir ainda não se achava vencido. Podia ter perdido um round, a luta ainda não perdera. Precisava aguçar os ouvidos, os olhos numa sensibilidade acima do sentir contemporâneo da pele. Desde os primeiros instantes em que pisou nesse chão árido, sem água, de vento constante, prometeu a si mesmo que pouco tempo ficaria ali. Assim sendo, no momento que seus pés tocaram a aridez pedregosa, ergueu sua atenção ao alto encoberto pela nuvem de areia, fez uma prece a Sagitta, passou levemente as pontas dos dedos na letra S pendurada em seu pescoço, e, abstratamente tomou a forma da flecha pousando seus olhos nas constelações vizinhas. Assim, adormeceu na canção do universo


pastorelli

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