segunda-feira, 8 de outubro de 2012

0

Pequenas histórias 23

 
 
 
 
 
 
 
 
 
                                                    Essa manhã

Essa manhã de quarta, trinta e um de outubro de dois mil e sete, sol gostoso, indicando que será um dia plenamente agradável para todos, assim parece e assim deve ser.
A Paulista está de calçada nova, reta, lisa, bonita, pelo menos a parte que está pronta a qual ontem à noite pude constatar. O único senão é a cor, cinza, será que algum artista maluco fará uns desenhos surrealistas nela? Vivemos num ambiente cinzento frio, sem atrativos, com pontos de cores aqui e ali, agora com a calçada cinza... Tudo bem, melhor assim do que como estava. Acho que deveria ser assim as calçadas na cidade toda, plainas, limpas sem camelôs e mendigos dormindo nos cantos das esquinas e prédios de humanos vazios de sentidos. Só espero que não seja invadida pelos vagabundos gananciosos lutando pela sobrevivência de um modo errado. Vejamos.
A reforma da calçada da Paulista ainda não chegou ao local onde, por oito horas por dia, sou prisioneiro da sobrevivência amarrado a uma coleira indicando onde estou. Se não tivesse aceitado o convite da cardiologista para visitá-la, não teria conhecido a parte da calçada concluída. Tinha hora marcada para as dezoito e vinte. Uma cardiologista simpática, senhora já, talvez até avó, digo pela aparência, creio que chegando aos cinqüenta, me examinou minuciosamente, perguntou quase sobre tudo.
 - Vou marcar outro exame, cintolografia, se nesse exame acusar disritmia será preciso fazer cateterismo.
 - O que?
 - É cateterismo.
 - Ah, não quero fazer não, doutora.
 - O senhor não tem querer, se precisar terá que fazer.
 - A senhora está me deixando com medo.
 - Já está sofrendo por antecipação.
 - Já, doutora. Fazer o que, é do ser humano.
 - Mas não se preocupe só se acusar alguma coisa.
 - Está bem, e vou lhe dizer: não vai acusar nada, meu santo é forte.
 - E tem outra coisa, seu Osvaldo.
 - Outra coisa?
 - O senhor vai ter que parar com “os seus drinques” na hora do almoço.
 - Ah, doutora, a senhora vai tirar a inspiração para escrever as minhas pequenas histórias para o pessoal. Como vou fazer?
 - Escritor que é escritor não precisa desse tipo de inspiração, concorda?
 - Concordo doutora, mas acontece que não sou escritor, tento ser, o pessoal que me conhece e tem o sacrifício em ler os meus textos, juram que sou escritor.
 - Bom, só posso lhe dizer o seguinte: é para o seu próprio bem.
 - Está certo, doutora.
 Assim sendo, saí do consultório mais de dezenove horas. Como tinha marcado de me encontrar com a minha filha, fui andando até a estação do metrô Paraíso, assim pude avaliar a calçada nova.


pastorelli

Seja o primeiro a comentar: