sábado, 3 de novembro de 2012

2

PARA O PAPA, EM MÃOS



Imagem: Wikimedia Commons - Public Domain


Se der tudo certo conforme planejei, meu filho lhe entregou este bilhete dizendo tratar-se de um pedido de oração meu - sua mãe. Desculpe o pequeno pecado, Santo Papa, mas isso é mentira. Tive que mentir para ele a fim de que esta minha súplica chegasse às suas piedosas mãos.

Sei que, como membro oficial da guarda do Vaticano, ele está aí para tomar conta de Sua Santidade, mas peço que Sua Santidade também tome conta do meu menino. Zelo com zelo se paga. Se puder recrutá-lo apenas para os afazeres domésticos e menos arriscados, seria para mim um alívio e uma forma de aumentar seus créditos junto ao Todo Poderoso. Montando guarda na porta de seus aposentos, por exemplo. Ou trocando a água da sua moringa, mexendo seu cafezinho, escovando suas próteses dentárias, sei lá.

Tendo o senhor a influência que tem, penso que preces em favor dele serão muito bem-vindas. Assim, pelo pé-chato que o atormenta desde tenra idade, peço que reze um rosário todo os dias. Pelo medo que tem do escuro, talvez uma Ave-Maria e um Pai Nosso sejam eficazes e providenciais. Pelas frieiras, especialmente nos dias quentes e propícios à disseminação de fungos nos pés, o Santo Padre poderia interceder com uma Salve Rainha, quem sabe um Credo, o que acha?

Quando faz a barba, é frequente acontecer de encravar um pelo próximo à costeleta esquerda, o que o aborrece muitíssimo e o debilita a ponto de meter-se o dia todo debaixo das cobertas ou necessitar de uns cafunés de Tia Frida, a madrinha de batismo dele que mora em Berna. Estando a tia tão distante, não sei como ele vai reagir numa eventual crise... o senhor compreende minha aflição?

Sua guarda, estimado Papa, tem 110 membros, e fazer do meu filho o seu protegido é um ato de caridade cristã. O senhor dispõe de outros 109 marmanjos para pegar no pesado, pode muito bem me quebrar essa.

Penso também que alguns outros detalhes ajudariam para que meu filho mantenha-se em condições de combate. Esse uniforme multicolorido de bobo-da-corte, que Michelangelo criou para não sei que Papa em momento de inspiração duvidosa, é ideal para que se apanhe um vento encanado, que pode muito bem se transformar em pneumonia. Seria muita ousadia de minha parte sugerir uma armadura, ou pelo menos algo não tão vaporoso? Para defender os outros, um soldado que se preza tem que estar bem protegido, concorda?

Meu menino também não pode com o sereno, e durante o dia seria prudente que evitasse o sol mais forte. O período entre sete e nove e meia da manhã parece o ideal para o seu turno de trabalho, evitando desidratação e exposição excessiva aos raios UV.

Bem, sem querer abusar da sua bondade e já abusando, tenho uma outra solicitação à Sua Santidade. Há pouco mencionei sobre a frieira – mal incurável e atroz, que judia impiedosamente do meu primogênito. Soube que, na quinta-feira santa, é o Papa quem escolhe as pessoas que participarão da cerimônia de Lava-Pés. Por favor, seja benevolente e escolha meu menino, lavando seus pezinhos com sabonete e água misturada com bicarbonato e vinagre. Em seguida, enxugue-os bem e evite beijá-los como costuma fazer, para evitar propagação de bactérias.

Muito obrigado, Santo Padre. Vida longa ao seu pontificado.


© Direitos Reservados


Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
Blog:

2 comentários

andre albuquerque

Não basta gerar, tem que participar...se nem com a turma toda,Sua Santidade conseguiu um mordomo nos trinques, esperamos melhor sorte com o novo integrante.Parabéns Marcelo.Forte abraço.

Marcelo Pirajá Sguassábia

Meu caro Dr, obrigado!