No café, durante o jogo, o senhor Cinzento transformava-se
em verde. Agitava-se na cadeira, ingeria rapidamente os mais agressivos
álcoois. Por vezes parecia até pontapear a bola. A perna direita sofria um
impulso que não raramente bastava para fazer as cervejas tremer no cimo da
mesa.
Tinha também por hábito murmurar frases inteligíveis ou
então soltar palavras contra o árbitro, aconselhando algum jogador a chutar
desta ou daquela forma.
Aquela tarde era especial: se a sua equipa ganhasse,
tornava-se campeã; se perdesse ou empatasse, adiava as decisões mas nada ficava
perdido.
O senhor Cinzento estava realmente nervoso.
- Joguem à bola! – gritava em direção da televisão.
A sua equipa estava a dominar mas não havia modo de marcar
um golo. A cinco minutos do fim, o adversário fez um perigo contra-ataque que
só foi detido em falta. Era um livre perigoso, à entrada da grande área.
O jogador preparou o livre com cuidado: num gesto rápido deu
um beijo à bola. Fez uma série de passos atrás. O estádio estava suspenso… e… o
pior aconteceu.. Foi golo.
O senhor Cinzento estava realmente transfigurado e dentro de
breves momentos desatou num monólogo.
- Sporting, tu não mereces… eu avisei-te… não quiseste
saber…
Falava com o clube como se fosse uma pessoa que estivesse à
sua frente. Alguém que tinha errado e tivesse de sofrer uma dura reprimenda.
- Tu não mereces ser campeão…
Até que alguém ripostou.
- Não merece o quê? Claro que merece… está mas é caladinho…
O café estava pejado de sportinguistas e de repente todo o
mal-estar se centrou no senhor Cinzento.
- Se não gostas vai para casa, ó palhaço.
Criou-se um crescendo que se tornou desconfortável. O
senhor Cinzento acabou por pedir a conta e sair. Desde então nunca mais o vi.
Provavelmente terá mudado de café.(histórias futebolísticas)
1 Comentário
Lílian,
Gostei Muito de Sua Crônica!
Um novo ciclo longo se inicia.
Importa carregarmos a bagagem da experiência, despojarmo-nos dos comportamentos que só agregam peso e constrição.
Um Beijo, Jorge
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