quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

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CONTAÇÃO: "E havia ratos ao lado dos castelos" - por M.Mei






E HAVIA RATOS AO LADO DOS CASTELOS


Desceu as escadas de pedra e cimento sem qualquer dificuldade. A massa pequena, arredondada e marrom deslizava silenciosamente pelos degraus quebrados e os minúsculos membros (quase como dedos) nunca tocavam o mesmo chão, sempre mais adiante e adiante, rachados e endurecidos pela usualidade do processo. A qualquer sinal de outra presença – ou quase-presença – esgueirava-se pelos cantos escuros do caminho e dele podiam-se observar os olhos negros e sem brilho. Duas jabuticabas caídas do pé, murchas e azedas. Levantava então as orelhas a conferir a segurança falsa em meio os ruídos cotidianos, sua única garantia em não ter qualquer garantia. Retomava o percurso no mesmo chão acidentado, e a única coisa que o distraía eram os buracos úmidos, onde enfiava o focinho vez ou outra à procura de algo que destoasse do fedor. Porque era um fedor insuportável até mesmo para aquela criatura, urina álcool sangue e pólvora queimada. E tinha enxofre. E era como o inferno. Quando a descida era enfim concluída e o diabo ficava lá em cima a observar seu reino desencantado derretendo em dor, o menino se levantava dos joelhos calejados e corria ao campinho onde outros recém-transformados meninos jogavam futebol.




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Mariela Mei é poeta e escritora. Bloga em gracadesgraca.com
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