E HAVIA RATOS AO LADO DOS CASTELOS
Desceu
as escadas de pedra e cimento sem qualquer dificuldade. A massa pequena,
arredondada e marrom deslizava silenciosamente pelos degraus quebrados e os
minúsculos membros (quase como dedos) nunca tocavam o mesmo chão, sempre mais
adiante e adiante, rachados e endurecidos pela usualidade do processo. A
qualquer sinal de outra presença – ou quase-presença – esgueirava-se pelos
cantos escuros do caminho e dele podiam-se observar os olhos negros e sem
brilho. Duas jabuticabas caídas do pé, murchas e azedas. Levantava então as
orelhas a conferir a segurança falsa em meio os ruídos cotidianos, sua única
garantia em não ter qualquer garantia. Retomava o percurso no mesmo chão
acidentado, e a única coisa que o distraía eram os buracos úmidos, onde enfiava
o focinho vez ou outra à procura de algo que destoasse do fedor. Porque era um
fedor insuportável até mesmo para aquela criatura, urina álcool sangue e
pólvora queimada. E tinha enxofre. E era como o inferno. Quando a descida era
enfim concluída e o diabo ficava lá em cima a observar seu reino desencantado
derretendo em dor, o menino se levantava dos joelhos calejados e corria ao
campinho onde outros recém-transformados meninos jogavam futebol.
----------------------------------------------------------
Mariela Mei é poeta e escritora. Bloga em gracadesgraca.com
Para saber mais ou ler outros textos da autora, clique em aqui.
Seja o primeiro a comentar:
Postar um comentário