quarta-feira, 6 de março de 2013

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A PONTE INVISÍVEL - SÔNIA PILLON


“No meio do caminho tinha uma ponte. Tinha uma ponte no meio do caminho.” Sim! Trata-se de uma paródia do poema de Carlos Drummond de Andrade, “No meio do caminho tinha uma pedra...” A verdade é que essa ponte não era de concreto, nem de madeira, nem de metal, nem de corda, como as do Exército... Seria bem mais fácil se fosse uma ponte com materialidade, que pudesse ser tocada com as mãos, e com uma superfície sólida. Mas tinha uma ponte, ah se tinha!
A ponte a que me refiro é uma ponte invisível, construída através da imaginação e dos sentidos, atravessada todos os dias, com a velocidade da luz, de duração variável. Porque era através dessa ponte que Mary Anne se comunicava com Leroy. O vilarejo de Mary Anne ficava no Ducado de York, na sombria Bretanha da Idade Media.
Era um lugar cercado de montanhas e cortado por rios. A família de Mary Anne era numerosa: seis irmãos para controlá-la...
Um dia, faltou farinha na aldeia e ela teve de viajar, camuflada de homem, para buscar o produto. Atravessou o rio de barco e, depois de muito navegar, chegou ao seu destino. Foi no mercado da aldeia distante que ela conheceu Leroy, o mercador de queijos. Conversa vai, conversa vem, sorrisos, olhares trocados, desejos inconfessáveis...
Mas ela não podia se demorar, e portanto prometeram se reencontrar. Como a jornada era longa e nenhum dos dois podia encurtar a distância, pelo menos naquele momento, se reencontrariam todas as noites, durante os sonhos... Criariam uma ponte invisível...
Durante o sono profundo, os dois se posicionavam de um lado e do outro da ponte e acenavam seus lenços. Aí eles a atravessavam... À sua volta, seres fantásticos de asas sobrevoavam o local, com densa vegetação, iluminado pela tênue luz da lua...
Uma noite, um forte temporal atingiu a aldeia de York, o que obrigou os moradores a ficaram alertas com a altura do rio. Havia o risco de inundar os casebres... A situação se repetiu por sete dias e sete noites.
Nesse período, sempre no mesmo horário, Leroy se posicionou do outro lado da ponte com seu lenço, noite após noite, mas Mary Anne não apareceu...
Aturdido, ficou conjeturando o que teria acontecido: O que será que aconteceu com ela? Estaria doente? Teria morrido? Ou simplesmente teria se cansado dele e outro estaria tomando conta de seus sonhos? Acordava sempre angustiado, sem saber o que pensar...
Mas foi na oitava noite, quando já não tinha mais esperanças, que Mary Anne reapareceu e contou tudo a ele... Foi então que os dois combinaram um novo encontro, dessa vez no mundo real...
Ao acordar, Mary Ann olhou em direção ao rio e sorriu... A ponte invisível, finalmente, deixaria de ser imaginária. Mas até quando?
- O passado já passou, o presente é uma dádiva e o futuro ainda não chegou... Se beliscou para ver se estava acordada. Depois ajeitou os longos cabelos castanhos, com um sorriso à la Mona Lisa. Iria começar os preparativos para a longa viagem...

Sônia Pillon é jornalista e escritora, nascida em Porto Alegre e desde 1996 radicada em Jaraguá do Sul.

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