sexta-feira, 1 de março de 2013

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NARCISO (ANOS 90) - JANDIRA ZANCHI



  
iso  iso
Narciso descerrou
a cortina do espelho
água  água cristalina
limpa suja varre
Narciso incorpora
narcisos  narcisos
perfil  perfil
lentamente, perfil
quem  quem
no espelho cobalto
silêncio na serra verde
silêncio que silêncio
que Narciso, que silêncio
Narciso não ouviu resposta
Narciso ficou com o espelho
água cristalina
modula  modula
pedra  pedra  pedra
branca  branca.
Narciso descerrou
ficou silêncio
alvorada  passarada
Narciso sem sol
a água vai levar
palavras palavras
chamem o espelho
façam-no falar
sussurrar
palavras palavras
azul de espelho branco
solidão de deserto branco
desterrada em alma de branco
branco cor de mármore
de silêncio de narciso
de ausência
não há imagem....


branco azul de silêncio
desterro – enterro
enterro -  desterro
rosas de abril
só morrem em março
só empenham sangue
vermelho  vermelho
sangue e sangue
o sangue de ontem
que lambuza meus lábios
- hoje
Narciso descerrou e ficou
parede de objeto azul
forma verde sem remédio
amarelo de passado
imagem branca
sem imagem sem palavras
sem dores flores amores
Narciso ficou


não coloriu mais telas
perdeu as pedras de seu castelo
ouviu os gritos e chorou
Narciso chorou e urrou
na escada cheia de sangue
Narciso se esfarrapou, meu amor...
não estávamos sozinhos
brincávamos de eco romance e aventura
tragédia de panos azuis e latas verdes
fazíamos filmes filhos idéias
sabíamos e sabendo aprendíamos
não éramos dois ou um
mas pessoas pessoas
pessoas como outras pessoas
mas Narciso ficou...
 e mantenho as mesmas paredes
e refaço a leitura
e essas mãos que nunca terminam
falam remexem representam...
queria falar com o espelho
explodir o grito de amor
deixar voar a pessoa que caminha
e as pedras  as pedras
que são brancas e o silêncio
e a matéria – água
Narciso agora é água.

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