sábado, 13 de abril de 2013

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Um buda moderno, Rui Tinoco


Ouviu-se o indicativo sonoro. Teríamos de sentar e apertar os cintos. O avião ia começar a aproximar-se da pista. Nunca tinha ido à ilha mas só tinha boas referências. Um local luminoso e agradável com água quente, convidativa ao mergulho.

Não era porém o lazer que me trazia a estas paragens. Vinha incumbido de uma missão da mais alta importância. Estava habituado a detetar a expressão do génio, qualquer que fosse a sua incarnação. Depois de detetado, eu e a minha equipa, tratávamos de traçar-lhe um plano educativo. Queríamos que toda a genialidade fosse transposta para o mundo.

Já tínhamos tido alguns casos de sucesso retumbante. Dois génios produzidos por nós arrastavam atrás de si multidões. Deslumbravam todos com os seus gestos, os seus dizeres eram ouvidos e escamoteados nos mais ínfimos detalhes.

Tivemos conhecimento de uma criança que podia ser um novo caso de incarnação. A insistência pareceu consistente e decidi deslocar-me pessoalmente à ilha.

Antecipei as dificuldades costumeiras nestas situações. Os sinais confirmativos do génio, a reticência dos pais, os longos meses até obter um sim da parte da família. A criança viria connosco para se transformar no génio.

Entretanto o voo terminou. Estava agora no terminal para levantar a bagagem. Não havia pressas. O encontro fora aprazado para o dia seguinte. Ia jantar sozinho, dormir no hotel – enfim, relaxar um pouco.

A manhã era plena. Acordei bem-disposto. A ilha já tinha fornecido à humanidade um génio incomparável. Quem sabe se hoje não seria outro dia de sorte? Apanhei um táxi. A discrição era um dos nossos modos preferidos de ação.

Encontrei-me defronte de uma velha casa. Fui à conversa com uns pais desconfiados e inseguros.

- A criança?

Ali estava ela: loirinha e insegura. Tirei então a bola do saco desportivo que carrego sempre comigo. Perguntei-lhe:

- Vamos então jogar um pouco?

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