sexta-feira, 3 de maio de 2013

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O MILIONÁRIO E O MENDIGO - SÔNIA PILLON

    Anderson fixou os olhos nos lençóis brancos de seda, preguiçosamente. A claridade da janela e o movimento suave das cortinas de voil cor de marfim deixavam os raios solares invadirem o seu luxuoso quarto. Sendo o filho do banqueiro e único herdeiro, se sentia à vontade para esticar um pouco mais o sono, em plena manhã de domingo.


    A certeza de que era um milionário o fazia sentir poderoso, acima dos demais. Enquanto o mundo enfrentava uma grave crise econômica, especialmente na Europa, ele estava ali, seguro em sua mansão, rodeado de criados e cercado de mimos. Enquanto muitos contavam as moedas para sobreviver, ele não precisava se preocupar. Mesmo com as taxas menores, por causa da concorrência com outras instituições bancárias, seu pai Nestor, aquela velha raposa, sabia como garantir os lucros.

    Ao pensar nos negócios do pai, Anderson resolveu pular da cama e se dirigiu ao armário. Escolheu um terno italiano e um sapato de pelica que combinavam perfeitamente com a camisa e a gravata. Precisava estar bem alinhado para a recepção de 50 talheres no Royal Hotel. A high society, alguns emergentes espalhafatosos e a imprensa estarão lá, à sua espera.  - Não posso decepcioná-los, disse para si mesmo, em frente ao espelho.

    Enquanto dava os últimos retoques no nó da fina gravata, sorria por dentro. Tinha 28 anos, um corpo bem distribuído em 1,92 de altura, e tinha plena consciência de que era um dos solteiros mais cobiçados do país. Se olhou mais uma vez de alto a baixo em todos os ângulos e finalmente se sentiu pronto para brilhar, mais uma vez. Se reconhecia um homem vaidoso e gostava de sentir que despertava a admiração e a inveja das pessoas.

    Pegou a chave da Ferrari vermelha e se dirigiu à garagem da mansão. Ao virar a chave da ignição, ouviu uma forte buzina e a voz de um homem, que gritava em direção a ele.
– Sai daí, ‘seu’ vagabundo!
- O que??? Como se atreve? O senhor sabe com quem está falando?!, retruca Anderson, indignado.

    De repente, o cenário muda completamente. Anderson abre os olhos e vê um homem de terno e gravata saindo de uma Ferrari vermelha, avançando em sua direção. Para seu desespero, agora Anderson volta a se ver como realmente é: envolto em roupas rasgadas, deitado em um colchão velho, cabelos desgrenhados, sujo e descalço. Envergonhado, se apressa em se levantar, de cabeça baixa, enquanto lágrimas tomam conta de seu rosto. Desde que perdeu tudo na jogo, naquele maldito cassino de Las Vegas, essa era a sua rotina diária. A barriga roncava e doía de fome. 

    Decidiu se juntar aos outros mendigos da rua, excluídos sociais como ele, mas solidários na miséria. - Pelo menos eles dividem o pão e a cachaça, pensou. O maior temor de Anderson era ser queimado vivo, como o Galdino, aquele índio pataxó, assassinado covardemente por jovens de classe média, em Brasília...




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