sexta-feira, 14 de junho de 2013

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Pequenas histórias 60


 
 

 A tarde estava



A tarde estava macia quando sai do prédio. Apesar do sol forte, a macieza da tarde lambia os contrafortes dos prédios e os limites dos passos preocupados em chegar a algum lugar. Estava macia assim como o “Bolero” de Ravel, macio e agitado sem ser pulsante e desgastante.
Atravessei a Avenida Paulista, e entrei no Conjunto Nacional. Como estava impregnado pelo drama do filme “As horas”, tendo assistido umas quatro vezes, decidi comprar o livro, o qual o filme foi adaptado. Decidido e feito, entrei na Cultura.
A Livraria Cultura, a melhor de São Paulo e, talvez, a melhor do Brasil, agora em sua nova instalação, é digna de nota dez. Nunca me deixou uma única vez na mão, isto é, todos os livros que procurei, encontrei. Se não tem na hora, manda buscar na editora ou nas filiais esparramadas pelo Brasil. Uma vez, não tendo o livro que eu queria, mandou vir de Porto Alegre, no dia seguinte o livro estava em minha mão. Os vendedores são atenciosos, não deixam uma informação ou pergunta sem responder, se não sabem procuram se informar com outro vendedor parece que todos têm só um objetivo: atender bem quem gosta de livro. De duas uma: ou ganham bem ou os atendentes e vendedores amam livros e gostam do que fazem
E ao ultrapassar a porta da livraria, o sinal de segurança foi acionado.
“Pensei, isso não é para apitar quando se saí e não quando entra?” E também, não me preocupei se era comigo ou não. Dirigi-me a vendedora que estava mais perto.
- O senhor já foi atendido?
- Não. Por favor, tem esse livro? – estendi para ela o recorte que tinha tirado do site.
- Um momento.
- Pois não.
Depois de uma rápida verificada no computador, me disse:
- Tem sim. O Senhor espera aqui? Vou buscar o livro.
- Espero sim.
Enquanto esperava, fiquei olhando os livros expostos, quando senti tocarem o meu braço esquerdo. E, ao virar pra ver quem era, deparei com uma morena clara, talvez nissei ou sansei, bonita, atraente, vestida de um preto delicado e elegante.
- Desculpe senhor.
- Sim!
- Quando o senhor entrou acionou o sinal de alarme.
- Ouvi, mas não pensei que fosse comigo.
- Foi com o senhor sim. Mas se o senhor não quiser não precisa...
- O que?
- É que talvez o senhor tenha algo em sua bolsa ou bolso, que acionou o alarme. Até mesmo um livro que o senhor tenha comprado aqui.
- Bom tenho um livro.
E tirei da bolsa “Assassino na chuva”, de Raymund Chandler que, realmente tinha comprado alguns dias atrás.
- Por favor, dá licença, se o senhor não quiser, não é obrigado.
- Que isso...
- Posso? – e esticou a mão na intenção de pegar o grosso volume.
- Claro. – entreguei para a ela o livro.
Nisso chegou à vendedora com “As horas”.
- Aqui está.
- Obrigado.
Voltei a minha atenção para a bonita atendente nissei ou sansei.
- Por favor, o senhor pode me acompanhar?
- Claro.
- Em todos os livros tem uma etiqueta que precisa ser desativada e há algumas que não sabemos a razão, talvez em contato com algum objeto, ativa ela novamente, e acho que foi isso que aconteceu com o senhor.
- Ah! Que pena, pensei que fosse um prêmio, ou que o livro que estou comprando seria brinde...
- Seria bom, mas infelizmente não é. – disse sorrindo num alegre sorriso branco.
Chegando ao balcão dos presentes, pegou do aparelho de leitura ótica e passou pelo livro. Acendeu a luz vermelha e apitou duas vezes.
- Esta vendo, a etiqueta foi ativada. Vou colocar outra por cima para não acontecer isso novamente.
- Puxa! Devia ser brindado com um prêmio, não acha?
Ela riu.
- Infelizmente... Desculpe o incomodo, espero que o senhor não esteja chateado.
- Não estou chateado não.
Guardei Raymund Chandler, paguei As horas e saí da livraria. Não estava realmente chateado, e por que deveria, são coisas que acontecem até com as melhores famílias.
Ao descer a escada rolante do metrô Consolação, a tarde ainda estava com sua maciez beijando a face da avenida dando a impressão que a felicidade abraçava-a longamente.

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