Piadas seguidas por sorrisos escandalosos,
a branquinha como combustível, o homem é um inventor de bordões que contaminam
toda sua vizinhança. Para situações difíceis: Chora sangue! Ao invés de siga em frente: Arrocha!
O tempo passa, ou melhor, passamos
por ele. O cabelo ainda permanece em sua maior parte preto, mas o corte curto,
talvez seja um disfarce.
Solitário na frente do bar,
empreendimento ao qual se dedica desde sua aposentadoria. Foi difícil ficar só
consigo mesmo, após anos de uma existência terceirizada, na qual a liberdade só
servia para o descanso e a reclamação do tipo: cachorro que ladra, mas não
morde!
O álcool pode tornar as almas mais
brutas aparentemente, em entidades mais sensíveis, as memórias do seu tempo de
funcionário, o faziam lembrar das humilhações, das dificuldades encontradas por
qualquer retirante no concreto da metrópole.
O gasto com os filhos trazia
preocupação, pois na sua economia instintiva, mais do que dados, gráficos e
estatísticas, podia sentir o medo de que seus vencimentos o privassem de estar
em dia com seus compromissos.
Era homem, chefe de família, tinha um
nome a zelar, mesmo sendo analfabeto, respeitava estes conceitos que são
transmitidos geneticamente, e principalmente, as palavras, embora as conhecesse
vivas saindo das bocas, o ar misterioso que elas ganhavam no papel o intimidava.
As lágrimas nos olhos verbalizavam em frente a
um estranho todas as suas amarguras, de uma hora para outra, tornara-se
novamente, o menino que chorava sentido, como dizia longe no tempo, a voz da
avó que não existe mais.
Um outro cliente adentrou o boteco,
era preciso seguir, mais uma dose servida e outra consumida, como criança no:
Um pra você e outro pra mim. Uma piada e o riso maquiagem. Ao fundo a canção:
Eu já não consigo mais viver dentro de mim
E viver assim é quase morrer...
4 comentários
Como quase sempre, uma dor lírica recheia o texto do escritor Fernando Rocha. Fico com a impressão de certa beleza trágica, que engrandece e ao mesmo tempo deixa aquela angústia pós-leitura...
Ritmo do texto é "rapidim", é um acontecimento na tarde de qualquer boteco da vida, acontecimento da vida de Joães e Josés. A história se repete, ainda hoje, em frente a um prédio, arranha-céu em esqueleto ainda, os peões me acordaram com aquele "bate-bate" e "lima-lima" de estruturas de ferro e tijolos vermelhos. Vendo-os pensei na Construção do Chico e naquela "Tá vendo esse edifício, moço, eu também trabalhei lá (...)"... Ai, ai, existir não é só Problema, sabe? É Problema Insano!!! A nossa existência natural misturada, entrelaçada a de outros humanos. Reais? Personagens? Personagens-reais? É por isso que considero Literatura seriamente. As verdades das pessoas e suas histórias registram-se sabiamente em linhas de crônicas, contos, fábulas! Legal, Fernando! A questão do ficar sozinho consigo também já foi comentário de nossas conversas. É difícil ver-se sozinho. Isso, essa província, aflige a tantos ainda bem antes de qualquer aposentadoria...
Cara! acho incrível o modo como escreve,conduz com clareza a idéia do conto, mas deixa um vago a ser preenchido pelo leitor, o que nos faz distraidamente sermos engolidos pela estória.
Ps:
As palavras no papel também me intimidam...
Lucas Alves
Acho que os comentários dos amigos resumem tudo o que eu queria dize. Formalmente perfeito e deixa espaço para o que mais me interessa, e nem intelectuais como o Haroldo de campos conseguiram chegar, A EMOÇÃO. ARROCHA!
Postar um comentário