sexta-feira, 15 de novembro de 2013

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O FILME DAS PALAVRAS

A verdade é uma fruta vermelha e todas as filosofias nunca foram mais que a ausência de cor.
Daniel Lopes


Para os leitores dos contos de Daniel Lopes uma questão sempre se fez presente: Parece que aqui há um enredo de Romance? Pois bem, após lançar sua coletânea estórias curtas em 2011: Pianista Boxeador. Neste ano ele nos oferece a Fruta.
Na primeira parte da obra denominada Ciranda, as personagens nos são apresentadas, num movimento que ao mesmo tempo as une e as aparta. Matheus um outsider, artista com alma fragmentda, não consegue caber no mundo-caos. Clara poderia ser uma daquelas garotas que têm sua estória cantada por Lou Reed (Clara says), por não se pertencer, se entrega, mas o vazio-nódoa não a abandona. Jude tal como Molly e Nick Drake, herdeiro genético de Clara, aqui não falamos de traços físicos, mas sim do desencaixe existencial. Fátima, Tirésias, zeladora da sobrinha e do sobrinho-neto, o amor em forma de doação: No mundo a gente precisa cuidar do outro melhor do que cuida da gente mesmo. (pg.25)
Nos momentos em que há a presença de um narrador onisciente e principalmente na fala de Matheus, o autor demonstra sua vocação para ensaísta e força o limite do Romance para além do ato de narrar, mas isso sem apelar para inovações estilísticas. É por meio da palavra que o recado é dado: A palavra é uma forma muito pequena para um bolo grande demais. Eu queria transformar a própria forma em bolo. (pg.13)
Se quisesse Daniel poderia conduzir sua ficção dentro do rótulo de literatura periférica, mas não, ele sabe que os dramas da existência não conhecem a geografia e muito menos a economia. Jude e o amigo Caroço numa peneira de futebol, Tia Fátima e a oferta da sua divina comida, brigas entre turmas. Tudo isso é atinge a universalidade, demonstrando que o desejo pela fruta é margem e não o tato que atinge a casca, como poderia pensar o senso-comum.
Fruta possui forte diálogo com roteiro cinematográfico, a precisão com a qual as cenas são descritas criam na mente imagens belíssimas. Apesar do deslocamento no qual vivem as personagens, elas recebem ternura de seu criador, pois é aí que está uma das marcas do escritor: A antítese. Seu lado mineiro Barroco.

Em Catavento, segunda parte da obra, assim como numa tragédia grega, o encerramento da narrativa provoca a catarse no leitor. Se Édipo não conseguiu fugir do seu destino, aqui, as personagens têm como trágico o próprio ato de existir: vida ou morte para o casal, sucesso e fracasso para os jovens amigos e a espera ampliada pela falta de visão de Fátima. Se a música nos toca sem que tenhamos aberto o canal de comunicação para ela entrar, Let it Be, dos Beatles, é o mantra que envolve os últimos sucessos da vida e seus desajustes no cotidiano-apocalipse de Daniel e suas criaturas.

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