Eu sei que
foi mais ou menos desse jeito, querendo jogar uma água sanitária no mofo
acumulado, que saí pra rua sem rumo nenhum. Pensando em não pensar em nada, só
ouvindo um ou outro estalinho de graveto no caminho e deduzindo: isso é um
estalinho de graveto no caminho.
Eu sei que
a intenção era boa e honestamente me empenhei, mas ao primeiro graveto estalado
me chega sorrateiro o chato interrogativo e suas vãs divagações. E me fala do
abismo entre a finitude do ser e a infinitude do tempo/espaço, diz que é da
natureza humana colocar termo, ordem e dimensão a tudo. Argumenta sobre o
cabimento, pois tudo há de “caber” em ensaios demonstráveis.
Eu sei do
inapelável desalento desse ponto de vista. Considerando-se que a vida seja
mesmo uma só, ela é um ridículo intervalo entre a eternidade que passamos não
sendo e a eternidade vindoura onde continuaremos a não ser. Ao invés de seres,
na verdade somos “não seres”, a não ser por algumas décadas. E tem gente que
não aproveita essa rara exceção que o caos nos abre. Pior: há os que se matam,
voltando prematuramente ao nada. É muito desapego, é quase fazer troça com o
acaso ou com o Todo Poderoso.
Eu sei o
quanto é difícil imaginar o que quer que seja sem um começo. Você saber que o
tempo vai prosseguir indefinidamente a partir de agora, ainda vá lá. Mas você
aceitar o infinito de tempo que houve antes de agora, fica bem mais complicado.
Algo sem fim é algo mais fácil de conceber que algo sem começo. Uma coisa é
começar do zero, como todas as coisas aparentemente começam. Outra é não ter
zero. Como é que pode?
Não é
razoável supor que a nossa cachola abrigue, em tão reduzido espaço, a
explicação do universo. Ainda assim, astrônomos se debatem e agendam simpósios
internacionais para deliberarem, soberanamente, se Plutão continua planeta ou
se é rebaixado a aspirante. Como se isso diminuísse o peso das interrogações
que há milênios levamos às costas.
Eu sei que
entrei na primeira igreja que me apareceu na frente. Um grupo de oração seguia
desfiando seu rosário. Beatas de véu, homens de terno, como que prontos para
uma Festa do Divino. Rezei uma Ave-Maria e um Pai-Nosso, rogando a todos os
santos que me tirassem da aflição inútil. Com o perdão dos céticos, que às
vezes perdem a razão pelo excesso dela, eu quero é nuvenzinhas, tronos
celestiais, trombetas de serafins, mantos diáfanos. E faço questão que a
autenticidade do Santo Sudário seja confirmada pela ciência. Que divina delícia
esse conforto das abóbadas repletas de anjos gordinhos com cabelos
encaracolados, os ecos de uns poucos sapatos na catedral vazia, às duas da
tarde de uma segunda-feira. Ou os ofícios dos domingos, os estandartes, cálices
bentos e andores das procissões, os tapetes de serragem e palha de arroz
tingidos de anilina para o Corpus Christi. O céu e o inferno, Adão e Eva, o bem
e o mal. Quero o padre de aldeia, que vem dar comunhão em casa e acaba ficando
para o frango com polenta.
© Direitos
Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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