segunda-feira, 3 de março de 2014

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SÔNIA PILLON - A MENINA E O PORTAL

Todos os dias, fizesse chuva ou fizesse sol, Ana acordava por volta das 6h45, tomava o café com os pais e os dois irmãos mais velhos e se encaminhava para a escola. Com oito anos recém-completados, em sua cabeça cabiam mais sonhos do que livros na mochila.

Enquanto caminhava os cerca de 600 metros que a conduzia à escola rural, ela dirigia o olhar para a enorme chácara do maior produtor rural da cidade, onde podia ver as vacas e os bois pastando ou preguiçosamente estirados na grama, as frondosas árvores... Separado por uma cerca de arame, um arrozal ultraverde se estendia pouco depois, a perder de vista. Ao fundo, uma casa de madeira se distinguia na bucólica paisagem.

E pouco antes de alcançar a escola, uma grande porteira com os dizeres “Portal das Flores” a encantava especialmente. Ali era a casa do homem mais poderoso da cidade, nos fundos da propriedade, e ela enchia os olhos quando via o jardim de flores silvestres, das mais diversas espécies e cores. Borboletas circundavam o local e pássaros cantavam ao redor.

A menina deixava sua imaginação correr por aquele lugar. Ah, como gostaria de poder atravessar aquele portal, correr por aqueles canteiros, colher algumas flores!...

- Aninha! Rápido! Assim vai chegar atrasada na aula!, chamou a atenção o irmão mais velho.
- Já vou! Já vou!, respondia ela, apressando o passo.

Quando ela voltava para casa, o sol do meio-dia iluminava o portal e para ela tudo ficava mais lindo. De alguma forma, pensava que tinha de ter uma forma de conhecer o dono da casa para poder estar lá.

Um dia a professora Vânia avisou para a turma que receberiam uma visita ilustre no dia seguinte. Mas a professora não matou a curiosidade de ninguém.
- Pessoal, esse é o senhor João Souza. Ele é o maior produtor rural da região, nosso vizinho, e vai mandar consertar o nosso telhado, ampliar e equipar a cozinha e o refeitório. Ele veio conversar com a gente. Palmas para ele!

O coração de Aninha parecia que ia saltar do peito, de tão acelerado. Então é ele! E agora? Pergunto sobre o jardim? Ele vai rir de mim...
- Eu pedi para senhor João responder algumas perguntas sobre a propriedade dele... Algum de vocês tem alguma pergunta?
Silêncio absoluto. Finalmente, após alguns segundos de expectativa, Aninha toma coragem.
- Sempre fico olhando o jardim da sua casa quando passo por lá... O senhor deixa entrar lá e ver as flores de perto?
Com certa surpresa, João Souza sorri e garante que não há problema nenhum, para alegria de Aninha. Ficou combinado que ela iria no sábado pela manhã, acompanhada dos irmãos.

Naquela noite, mal conseguiu dormir. Fechou os olhos lentamente, esperando o sono chegar. No meio da noite, a menina se levanta e vai em direção à janela. Subitamente, decide pular no quintal. Se espanta ao ver que está com o figurino do filme “O mágico de Oz”, com os cabelos divididos em dois rabos-de-cavalo, vestido acinturado com mangas, meias até o joelho e sapatos na cor vermelha. Um arco-íris apareceu e ela decide embarcar até o Portal das Flores. Lá encontra o Homem de Lata e o Leão, e eles começam a caminhar pelos canteiros de flores. Ela pulava, corria...

- Aninha, acorda! ´Tá na hora, vamos!, chama a mãe.
- Ahn? Ahhh foi um sonho...
- O que você estava sonhando?
- Sonhei que era a Dorothy, aquela menina do filme que a gente assistiu no DVD... Eu esta passeando no jardim do...
- Já sei! Você não fala em outra coisa... Mas agora, vamos, ainda precisa tomar o café...

E a menina começa a se apressar, com um sorriso nos lábios. Ela já tinha conhecido o Portal das Flores, ainda que em sonho.

* Homenagem aos 75 anos do filme "O mágico de Oz", com Judy Garland, comemorados em 2014.

Sônia Pillon é jornalista e escritora, de Porto Alegre e desde meados da década de 1990 radicada em Jaraguá do Sul (SC).

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