sexta-feira, 1 de agosto de 2014

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ENTREVISTA COM O ESCRITOR ALLAN REGIS

Allan Regis é graduado em Letras, professor de música e de Português e Inglês, autor de quatro títulos Reminiscências um romance histórico sobre Guaianazes (bairro onde ele cresceu e vive), Instinto Desajuizado romance infanto-juvenil, Colcha de atalhos coletânea de contos, Mil horas sem fim e Ler-te integral coletânea de contos e crônicas lançada neste ano. Todos os seus trabalhos foram publicados pela editora Clube de Autores.
Site: http://www.escritorallanregis.com/

O que você pensa sobre o rótulo Literatura periférica?

Bem, meu caro Fernando Rocha... Começou provocando, hein? (risos)... Bem, eu gosto do rótulo, e não acho depreciativo como alguns dizem ser; pois, acredito, nomeia uma cena literária que não acontece em outro lugar da mesma maneira, só na periferia. A ótica de quem vive na periferia não é a mesma de quem vive nos grandes centros urbanos. Um americano pode escrever sobre o Brasil, mas nem por isso será um escritor brasileiro ou estará escrevendo literatura brasileira, pois sua visão é estrangeira, entende? Se alguém escreve sobre a periferia sem ser morador dela, também não estará escrevendo literatura periférica. Então, meu caro, acredito numa literatura que é concebida nos subúrbios carentes e o escritor sente na pele isso. Se o título for este mesmo, “Literatura Periférica”, está perfeito pra mim. Dependendo também da situação do escritor – falo mais no sentido de como ele luta para continuar existindo em situações precárias, tanto financeiras como ideológicas, de forma independente, sem estar enquadrado ou integrado a culturas mais consideradas pela sociedade – gosto do título “Literatura Marginal” também. Acho provocativo e bastante sugestivo, Fernando.

Em seu romance Mil horas sem fim há epígrafes no início de cada capítulo com versos de canções. Como a música influencia a sua escrita?

Há trechos de músicas que parecem ter sido – quando não foram mesmo! – tiradas de um livro que li ou que gostaria de ter escrito – sinto. Há frases que eu gostaria de dizer como um desabafo e determinados compositores parecem ter dito por mim. Meio louco, mas, tenho certeza, não sou o único que tenho tal impressão. Falando das epígrafes de Mil horas sem fim... Bem, na época em que estava escrevendo o romance, várias composições me acompanharam no processo de criação, e acredito que elas influenciaram o que eu queria dizer nos capítulos, pois tocaram profundamente em meu âmago e aprofundaram minhas revoltas. Ficava vendo o meu personagem Charles andando sob angústias enquanto as músicas tocavam. Achei pertinente colocá-las na obra como uma forma de conciliar a escuta de músicas enquanto se lê. Eu não tenho muito esta capacidade, mas acho que há quem goste de escutar enquanto lê, pois tais sujeitos conseguem trabalhar dois hemisférios cerebrais, sei lá. Vejo amigos meus fazendo isso, acho o máximo e ao mesmo tempo fico pensando se se absorve mesmo o conteúdo de um em detrimento do outro, ou se se consegue instigar mais a capacidade de refletir e pensar, sei lá. Então resolvi pôr uma música em cada capítulo como se fosse uma trilha sonora da obra, entende? Talvez se a obra for adaptada para o cinema ou teatro um dia – não custa sonhar! – já sabem o que devem tocar... (risos).


 Em 2012, você publicou três livros (Reminiscências, Desajuizado e Colcha de Retalhos). Como funciona a reescrita dentro do seu processo criativo?

Uma constante... Eu sou quem escreve, quem revisa e quem edita e reedita. É bem comum algo passar desapercebido durante o processo de edição. Se eu percebo uma palavra fora do lugar que estrague o que eu realmente queria dizer, ou ortografia errada, fico muito aborrecido. Você quer ver eu ficar muito chateado é perceber que não consegui transpassar para o leitor o que eu queria transpassar.  Fico muito preocupado em levar até o leitor algo de qualidade. Vivo lendo e relendo e ajustando tudo constantemente. Sei que ainda vai rolar de eu ter uma equipe contribuindo para o meu trabalho, é muito importante, mas ainda resisto e acabo tendo que trabalhar sozinho, no meu próprio tempo e solidão, entende? Costumo contar com a colaboração de alguns amigos e da minha esposa, mas na maioria das vezes estou só.

Seu mais recente lançamento é o livro Ler-te Integral. Do que trata esta obra?

É uma antologia de contos e crônicas que foram se avolumando durante pelo menos três ou quatro anos e que resolvi agora lançar por achar que muitos deles estavam se perdendo e quase indo parar no lixo, meu amigo. Alguns dos escritos me colocaram entre os 40 de 200 participantes do prêmio Sesc de Literatura, então, acredito, possuem qualidade para constituir um bom livro de crônicas e contos.
Já o título veio durante um sonho meio louco, sabe? Vou revelar aqui... Como eu ia reunir tudo num só volume. Ia colocar tudo num só livro, então pensei: o leitor vai ler tudo integralmente, sem cortes. Vão me ler por completo. Daí veio o título que, ambiguamente, dá um outro entendimento quando se pronúncia, parece leite integral, não parece? Pensei numa capa que tivesse o formato de uma caixinha de leite longa vida e um amigo meu artista plástico, desenhista, Pedro Sobrinho, desenhou a capa ao meu pedido.


Existe sucesso literário? Defina-o.

Depende... Se o sucesso literário for financeiro. Acho que não. Atualmente concorremos com muitas e muitas formas de entretenimento, a leitura – embora muito importante – não é a única e nem a mais considerada como antes. Tem muito escritor famoso que tem que ralar muito para manter suas finanças, vive de bate papos ou palestras em feiras para tentar promover e vender seus trabalhos. Só escrevendo, não acredito não, são raros os “paulo coelhos”. Agora, acredito num sucesso literário sim quando sua obra é comentada, chega a diversos leitores, bibliotecas, é adaptada para o teatro, cinema, e consegue de alguma forma fazer parte de diálogos de pessoas ou é citada em rodas de discussões e comentários influenciando a maneira de enxergar as coisas. A obra dentro de uma gaveta empoeirada está derrotada, mas nas mãos de um leitor, ela vence. Acredito nisso.


Charles o protagonista de Mil horas sem fim, enfrenta dilemas referentes à religião. Este assunto influencia a sua escrita de que maneira?

Conheci muita gente que vive sob o julgo da religião. Desvencilhar-se de preceitos e dogmas é muito difícil. Muita gente é controlada pela ideia do certo e do errado, pela via do céu e do inferno, pelos preceitos do pecado e trazem influências negativas para quem quer viver livre. Há amigos meus que não podem ir a tal lugar com medo do que vão dizer sobre eles ou se Deus vai gostar ou não. Achei bastante pertinente trazer uma visão libertadora através de uma família evangélica, com um patriarca opressor que vê tudo como errado e desfez até mesmo de coisas lindas que viveu antes de adentrar pelo mundo religioso ao se converter. Depois quer podar o filho de viver a vida, e tenta amordaçar a juventude que o filho quer e precisa viver. A ideia da família como uma entidade semidestruída nos dias atuais também era importante ser retratada.


O narrador de Mil horas sem fim faz diversas observações sociais e políticas. Para você em que medida escrever é um ato político?

A literatura cumpre um papel de conscientização e tem eficácia para mudar modos de ver as coisas e aprofundar o indivíduo leitor em temáticas dando a ele argumentos importantes como ideias para transformar a sociedade em que vive e libertá-lo de um sistema opressor que o quer pensando raso, sem profundidade de questionamentos. Acho que é isso.

Antes do período em que vivemos já foram feitas experimentações estilísticas, grandes obras já foram escritas. Por que persistir no ato da escrita?

Não sei... No meu caso, eu amo escrever. A vontade de escrita é forte em mim, como uma droga que toma o organismo de um viciado. Também, porque não há limites, acredito. Os tempos mudam, se parecem, se assemelham, mas não são iguais. Somos heterogêneos, estamos em evolução e nunca vamos parar de nascer e existir, independente dos que já nasceram e morreram. É possível escrever algo que se assemelhe, que se pareça, mas que não seja plenamente igual. Eu acredito.


Para aqueles que não tiveram contato com a sua obra. Por que ler Allan Regis?

Puxa! Por que ler Allan Regis? Acredito que o leitor encontrará em minha obra muita qualidade tanto na estética quanto nos modos de enxergar o mundo. O meu leitor poderá, acredito, mudar suas concepções ou fortalecê-las, dependendo de quais sejam elas. Minha literatura pode contribuir e muito para uma sociedade pensante, fortalecida, pronta para batalhar por aquilo que a pertence de fato e que tentam arrancar dela de forma injusta. O que não acredito é que minha obra somente ofereça entretenimento, isto eu não acredito, Fernando. Abraços e foi um prazer dialogar contigo, meu amigo.


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