domingo, 8 de março de 2015

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CARTA PARA AKIRA

Caro Akira,
Um poeta lá de Cubatão, criou uma página chamada viver a vida como um poema, após ler os seus livros: Oliveira Blues e Bentevi, Itaim, pude ver que embora não tenha nomeado tal estilo de existir, você o pratica há muito tempo. Pois textos como Canção pequena para ninar um menino morto, escrito em 1979, nos oferece a oportunidade de perceber que a sua poesia é conduzida pelo movimento seja das pernas ou das rodas que carregam seu olhar por paisagens e pessoas que para muitos são apenas mero pano de fundo, mas para você são protagonistas que suas palavras tentam afagar, como quem por meio do afeto descasca as máscaras e fantasias do social, devolvendo humanidade aos meninos de rua ou apara dedo mole e nóias.
No primeiro sarau da Casa Amarela, Arnaldo Afonso disse que há algo especial naquele lugar, mas como o lugar é parte do ser, acho que entendo o que ele quis dizer, pois na sua poesia obviamente que partindo da individualidade o caminho só permite ser percorrido em companhia, a referência aos amigos é contínua, você se dilui entre eles e ganha ao tornar-se múltiplo desde poemas dedicados diretamente a eles como para João Caetano e Sacha Arcanjo ou em dedicatórias para Escobar Franelas e Ronaldo Ferro, chama a atenção o movimento de criar referências ao invés de recebê-las digeridas.
No célebre poema de Poe, a renitência do corvo ao emitir never more, perde para o seu bem-te-vi, pois ao não cantar, ele deixa o silêncio, herança do avô, ecoar e em nosso tempo onde a paisagem sonora é ruidosa e ouvi-lo tem o mesmo efeito de um grito em meio à meditação de monges.
Desde o título a alguns poemas o bairro aparece em sua obra para além de descrições geográficas, tornando não o lugar, mas as sensações obtidas por meio dele em sentimentos universais, eu que sempre reclamei do gás da nitro, me recolho em minha ignorância sensitiva.
O tempo e os pássaros em ti, asas que querem abraçar o todo, paralisar os ponteiros e os dígitos do relógio. A poesia que namora o cotidiano e antes de ser transplantada para o papel, vive dentro dos sentidos e sentimentos do seu ser resistente, que não permite ser domesticada pela estética vazia.

1 Comentário

Anônimo

Se beleza interior refletisse em beleza exterior o melhor trabalho de estética seria a prática do bem!