O meu trabalho era bastante monótono. Passava o dia inteiro sentado numa
sala a vigiar os visitantes. Tinha de observar movimentos suspeitos, repreender
eventuais utilizações de flash. Como poderia suportar este tédio? O quotidiano
vazio e empobrecedor aturdia-me os sentidos.
Tentava vaguear por salas vizinhas, quando para isso tinha oportunidade.
Conversava com outros vigilantes do museu. Os diálogos depressa me entediavam.
Os colegas só se interessavam por desporto ou em coscuvilhar pormenores da vida
de pessoas supostamente famosas.
Achava tudo isso fútil. A mim só me interessava a pintura, a forma como
se representa a luz numa tela.
Era esse género de gestos que realmente me atraíam.
Passei a olhar a sala que tinha de vigiar de modo diferente. Ficava a
perscrutar os quadros, de longe e de perto. Vasculhava pormenores, reparando
noutros, fazendo relações entre os diversos elementos que os constituíam.
Até que comecei eu a fazer esboços de desenhos. Ficava sentado na
cadeira, a um canto discreto. Não olhava com tanta regularidade para os movimentos
dos visitantes, pelo contrário: às vezes sentia sobre mim alguns olhares
divertidos.
Um dia fiz o desenho mais belo a que poderei aspirar. Pus-lhe um título à
século XVIII: «O Triunfo da Esperança».
Ontem enchi-me de coragem e num momento de escasso movimento, quando me
vi sozinho, consegui colar o desenho nas costas da minha obra favorita.
Não poderei aqui identificá-la por motivos óbvios. Diverte-me, no
entanto, pensar que a minha pequena obra possa ter o seu momento de fama, ainda
que de forma muito indirecta.
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