quinta-feira, 23 de abril de 2015

1

Pequenas histórias 141



Dia vinte e três


 
 
 
 
 
 
 
Dia vinte e três de maio de dois mil e oito.
Dia vinte e três de maio, sexta-feira, sol em pleno vapor na sua beleza iluminando prédios humanos e escuros entre mortos e vivos, ou melhor, entre zumbis e poucos vivos.
Sexta-feira, depois do feriado, trânsito livre, poucos veículos e as sete e quinze eu descia do fretado. Aproveitei para dar uma volta no quarteirão e não vi o cachorro que encantou a Érica e acho que não o verei mesmo.
Se o leitor for perspicaz notará uma transformação nesse escrever a partir de hoje. Terminei São Bernardo e comecei a ler Dóris Lessing, - O Sonho de Martha Quest -, ganhadora do prêmio Nobel desse ano, que com o Carnê Dourado, tornou-a conhecida, não sei se para o mundo, mas para mim sim, pois foi o primeiro livro dela que eu li, e que recomendo.
Morreu o pai do Romário, e daí, digo eu, ele, o pai do Romário já cumpriu seu papel nesse teatro imundo sem atos e muitos bugalhos.
Não há como dar crédito aos dizeres embalados em papel roxo da raiva. É preciso, com muito esforço, para não cair na depressão de sentir-se preterido. Esquivar-se das ásperas palavras que, como flecha incandescente, queima o peito da alma. O intelecto aos poucos míngua matando o ânimo que, fraco, se isola na solidão das palavras vazias. O suicídio lento impresso nos objetos inúteis é como fuga sem saída.

O sono esfola os olhos de areia, queima a menina que não desperta nas horas lentas enchendo de ansiedade o corpo cansado.
Tudo é digerido na rapidez da necessidade financeira desprezando os prazeres do momento, da hora, da comida, do café, da carne suculenta que escorre lágrimas banhando corpo dilacerado no prazer instantâneo.

Emerge no meio dia a fome esquálida esparramada na calçada que não é da fama, mas inflama a vergonha em saber-se covarde sem ter a centelha da batalha.
Fecha-se o casulo egocentricamente nos passos tímidos de cidadão de um mundo só dele, nada mais.
Assim, mais um dia que se arrebenta no mar de vidas a se jogar uma na outra como onda sem destino.

pastorelli

1 Comentário

Anônimo

Quando o sol se poe sobre nossas decepções,sucumbimos em nossa raiva. corre-se o risco sim de ser preterido, não por pessoas, mas, pelo desejo de ficar só.
E o pior suicídio é quando nós mesmos nos matamos por dentro, quando recebemos varias punhaladas e já não sai uma gota de sangue.
A pior punhalada vem daquele que amamos e que não trocamos por ninguém, mas somos trocados pela falta de confiança dia após dia, até nos levar ao extremo de nossa exaustão.