domingo, 12 de julho de 2015

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Pequenas histórias 154

 
Ele tinha colocado
 
 
 
 
 

Tinha colocado um ponto final. Disse que não escreveria mais daquele dia em diante. Realmente por mais de dois anos ficou sem escrever nada, nem mesmo um bilhete, nem uma carta comercial, nem um número, nem cheque escreveu. Mas depois desses anos todo na inativa do descrever, assim sem mais e sem menos, sem motivo, viu-se diante do micro ligado. Interrompeu a bonita proteção de tela com animação hipnótica, puxou a cadeira para mais perto, tomou do mouse e clicou no ícone do Word e, quando tomou consciência já tinha escrito mais de vinte páginas na fonte Arial tamanho doze. Em seguida salvou. E, nos dias seguintes, como aprendiz de Forrester, passou a escrever cem páginas por dia numa ferocidade a ponto de ser designado como descontrolado.
No inicio, eram palavras desencontradas, desconexas no sentido em que se poderia entendê-las. Ele juntava umas as outras sem perceber a loucura dos significados em seus pigmentos. Ocorria, uma vez ou outra, surgir palavras novas, palavras que estavam adormecidas no inconsciente coletivo da mente. Como instrumento afiado, unia uma ponta à outra do fluxo mental e, pinçava a palavra num cuidado medonho para não a perder, o que, acontecia quase sempre. Nesses momentos de perda, ficava imóvel, com a mente em branco custando a retornar o fio da meada. Fio da meada! Como se os seus escritos tivesse um fio condutor a levá-lo pelos meandros da escrita!
Não tinha, e não via isso como mediocridade, como escritor de segunda que apenas sabe escrever o que se passa com ele, e não sabe criar algo com início, meio e fim. E daí?  É preciso que seja assim? Cada um com sua característica, cada com o seu jeito de escrever. Na sua visão simples as palavras têm valor quando o leitor fica preso a elas até a última página do livro.
Sentia os espaços, o que o preocupava em demasia, das palavras, das sílabas aonde o vazio das entrelinhas nunca chegava à compreensão razoável. Esses espaços rolavam na insanidade dos sonhos cujo sentido se perdia no momento mais preciso. Assim passou a tomar mais consciência dos sonhos. Procurava lembrá-los na dimensão correta da sua ideia sem prejudicar as palavras.
Andava a esmo, sem saber onde estava, quando deparou com a tia sentada e sorrindo. Veio em sua mente que caminhava para o quarto, ou era sala, não sabia ao certo, era um aposento onde sabia que ali encontraria o que procurava talvez alguma aventura romântica sexual. Mas primeiro, foi cumprimentar a tia. Com a aparência envelhecida dentro de uma luz sorridente de paz, abraçou o sobrinho indicando-lhe o lugar onde estavam os primos. Agradeceu e se dirigia para o lugar por ela indicado quando, o primo mais velho lhe dirigiu a palavra se estirando na cama. Oferecia um cigarro de maconha. Junto estava um amigo do primo. A mãe chegou abrindo a porta maldizendo ao ver o filho viciado com o amigo que ela detestava. De repente, a porta abriu de supetão e entrou dois policiais que sem dizer nada, algemou os dois. Olhando para ele, um dos policiais perguntou se estava também fumando. Negou claro, mas na verdade, apesar de quase ter aceitado a oferta do primo, não estava fumando, não. Chateou-se com o acontecido, quem manda ser viciado, disse para si mesmo. Foi quando o primo mais novo junto com a prima se dirigiam para o bicicletário. Acompanhou os dois. Ao entrar reparou na quantidade de bicicletas pendurada nas paredes. Algumas encostadas umas nas outras, demonstravam que fazia tempo que estavam ali encostadas. O primo pegou uma azul e a prima uma vermelha. Ele não queria andar de bicicleta. Saiu para o sol escaldante. Andando pelo calçadão a beira da praia, o rapaz usando um calção de banho tão ridiculamente pequeno a ponto de o sexo ficar a mostra, passou por ele. Sacudiu a cabeça como demonstrando que não estava entendendo o que o promotor dizia. Parecia que não foi confirmado por escrito a acusação sobre os dois rapazes pegos em flagrante no quarto da casa.
Nesse trilhar dos sonhos, talvez encontrasse a razão de estar novamente empenhado a escrever. Quem sabe! Gritou uma voz no interior de si.

pastorelli

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