sábado, 3 de outubro de 2015

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AMORECOS



I
- Me dá um trago, vai.
- Ué, não é você que ontem mesmo disse que ia parar de fumar?
- Hum, olha quem fala. Você parou, por acaso?
- Mas também não prometi nada. Eu prometo coisas que posso cumprir. Esse céu lindo, por exemplo, esse veludo azul com respingos de prata...
- Nossa, baixou o Olavo Bilac?
- Então, esse céu aí que nem em Shangri-lá se vê assim. Eu sequestraria agora e decalcaria nos seus seios, se você mandasse eu estaria disposto.
- Então traz.
- Eu disse que estaria disposto. Futuro do pretérito. Agora não estou.
- Ah.

II
- Só eu mesmo, uma tonta, tão pouco voluntariosa, sem amor-próprio nem coisa melhor pra fazer em casa, tão minimamente exigente, pra vir torcer por você num inter-clubes de peteca às 4 da tarde de sábado.
- O amor é lindo, honey.
- É lindo e bobo, besta, mentecapto, retardado, autista, acéfalo. Tenha dó, até fazer xixi é mais emocionante que isso.
- E depois daqui? E sua quedinha por esportistas ofegantes? E esse meu fogo todo, aquecido pelo jogo? Que me diz?
- Sei, sei. Quero ver se essa peteca você vai deixar cair...
- Isso é uma ameaça?
- Não. Uma esperança.

III
- Ai, como eu detesto quando você faz isso.
- O quê? Mexer a bebida com o dedo? Très chic, tolinha. Isso é absolutamente in, se é que você me entende. Vai se instruir nos manuais de etiqueta da Glorinha Kalil pra depois implicar comigo.
- Deselegante, convencido, animal bruto. Devia ter deixado você lá, correndo atrás de peteca com seus amigos gordos.
- É. Pena que você não resistiu ao papai aqui.
(plof)
- Mas o que é isso? Hein, o que é isso? Nunca imaginei que alguém teria coragem de me jogar um absorvente usado na cara!!!
- E eu jamais sonhei em ter que me contentar com o 16º colocado num inter-clubes de peteca. Prefiro ir pra cama com a própria peteca.
- Fique à vontade. Tá dentro do guarda-roupa.
- Sim. Como os amantes esperando a saída dos maridos cornos.

IV
- Pensa que é fácil, no melhor da história aquele cheiro de cebola na sua mão?
- E pensa que é gostoso meia dura de chulé, pasta sem tampa, jornal jogado?
- Prometo que mudo.
- Ah, tá. Do mesmo jeito que prometeu decalcar o céu nos meus seios. Duvido que mude...
- Você não entendeu. Quando eu falo em mudar, é mudar daqui.

V
- Olha o tempo que você tá aí lixando essa unha. Se vocês mulheres soubessem da tara dos homens por unha lixada...
- Você pode não reparar, mas há quem dê valor. Ô se há.
- Em unha lixada?
- Em unha lixada.
- Quem por exemplo?
- Use seu poder de dedução.
- Reticente e misteriosa. Não deixa no ar, não. Começou, agora conclui. Quem?
- Preocupadinho, bem?
- Tsc, tsc. Aliviado. Pra reparar na unha, não deve ser lá muito homem...
- Nem jogador de peteca.
- Ah, vai pr’aquele lugar, vai!
- Já estou nele. Faz tempo.




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