Quando dei por mim, de pé no meio da sala de jantar da fazenda, não saberia dizer de onde vim e nem por quanto tempo estive dormindo ou inconsciente. A dor nas costas e o andar vacilante eram indícios de anos amargados no leito, mas a minha impressão é que estava retornando de um rápido desmaio.
Me chamou atenção acima da lareira um retrato meu, tirado há uns dez dias quando muito, e que mais parecia o meu bisavô Honorato, pelo amarelado da fotografia. A queda do cavalo estava fresca na lembrança, e minha ida ao photographo foi na terça anterior ao acidente. Por que tão gasta a imagem e carcomida a moldura?
Mais uns passos e na cozinha me deparo com uma caixa branca de formato retangular, aparentemente de metal e quase do meu tamanho. A maçaneta sugeria uma porta e a abri, sentindo um frescor delicioso que contrastava com o mormaço da fazenda, àquela hora da noite. Dentro, bebidas e alimentos de feitios estranhos, iluminados por uma luz que ficava no fundo da caixa fria.
Numa das paredes do living havia uma espécie de tela preta envidraçada, de proporções próximas às de uma janela, onde se via um sujeito falando com um terno um tanto esquisito. Tentei tocá-lo, era impressionantemente real e muito mais nítido que um quadro. Sua boca se mexia mas dela não saía som algum. O silêncio tomava conta. As lâmpadas, muitas e todas apagadas, em nada se assemelhavam aos lampiões de querosene que até outro dia eu acendia ao anoitecer e apagava pela manhã.
As pessoas, umas quinze, contritas e concentradas em torno da grande mesa, oravam e invocavam meu nome. Fugia da minha compreensão o que se passava, pois todas eram a mim desconhecidas. Nem mulher, filhos ou parente próximo. Desgostava-me o incômodo daquela macabra assembleia tendo lugar ali dentro, profanando a Fazenda Santa Carolina e minha mesa de jacarandá. Era legítimo que retomasse meus domínios, queria enxotá-los dali, eles todos com suas roupas e penteados de péssimo gosto, a mencionarem insistentemente meu nome, em transe insano e de olhos fechados.
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