terça-feira, 29 de dezembro de 2015

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SEM UM NOME

Há pouco tempo descobri que meus pais demoraram vários dias para me registrar. Os nove meses de gravidez foram de conflito, minha mãe queria curtir a vida, seja lá o que isso for! Mas como um furo no destino, ou melhor, na camisinha, eu apareci. Ela dizia que a culpa foi dele, ele sem paciência para a discussão, só queria evitar o barulho que além de perturbar o silêncio, poucas vezes resolve alguma coisa.  Cheguei ao mundo na época da páscoa, um presságio de que ao longo da vida, me sentiria morta e precisaria de várias ressurreições para encarar a existência.
Vivi meus primeiros 20 dias sem um nome, uma combinação de letras que faz com que a gente se sinta alguém, parte de algum lugar. Hoje, 20 anos depois, me sinto alguém que espera uma senha, seja um nome ou qualquer coisa semelhante, para entrar e tentar ver alguma luz dentro deste túnel escuro.
A boneca sem olhos, com o enchimento vazando, continuava sendo só boneca, a surra de cinto, os vergões em meu corpo, as lágrimas e os soluços, ainda estão nos meus ouvidos e olhos. Um metro e setenta de altura, mesmo assim, ainda sou só aquela menina. Meu pai sumiu no mundo, minha mãe sumiu do mundo. 

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