domingo, 27 de março de 2016

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ENTREVISTA COM O POETA MARCELO ARIEL


Marcelo Ariel é poeta, performer e dramaturgo, reside em sua cidade natal Cubatão, nasceu em 1968, possui uma vasta produção, ele é autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem, 2008), Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco, 2010), O céu fundo do mar (Dulcinéia Catadora, 2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 Gramas, 2011); Teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove ( Edições caiçaras, 2012), O rei das vozes enterradas (Córrego, 2015), Retornaremos das cinzas para sonharmos com o silêncio (Patuá, 2014), este último semifinalista dos prêmio Oceanos. A obra na qual a conversa abaixo está pautada é o seu mais recente lançamento A criação do mundo segundo o esquecimento (Córrego, 2016), lançado no dia 16 de Março, na Casa das Rosas, em São Paulo.


Marcelo, se a beleza pode ser o centro do demônio as bordas dele podem ser chamadas de estética?

Do ‘ demônio ‘ no sentido mais amplo do termo, o sentido esquecido e que está na fonte terminológica, nesse caso, a beleza pode ser o centro daimônico do ser, mas falo principalmente, de uma beleza da invisibilidade e da transparência diante da outridade e da alteridade do mundo, de tornar nosso rosto transparente e invisível, esta possibilidade a meu ver, reside na profunda humildade e reverência diante das possibilidades de ser um com o Daimon e ao mesmo tempo, criar em si uma imensurável abertura para o rosto do Outro que se reflete sempre no nosso, se reflete nas nuvens e na copa das árvores também, como metáfora, o mundo me parece um enorme circulo incessante de metáforas e possibilidades do silêncio como abertura para este centro daimônico. Respondendo de modo mais preciso a questão colocada por você, se as bordas são as bordas do ser e existe um movimento de surto para atravessá-las, se são as bordas do ser são também as bordas do mundo, mas isto não pode ser reduzido para leis ou regras da estética, pertence ao chamado caminho do místico, a beleza da invisibilidade e da dissolução e transparência é uma via mística do corpo.

 Dentro do seu livro você propõe um dicionário que tem como foco a miséria cultural, sendo você reconhecido pelo trabalho com a poesia, é possível inserir um verbete sobre a produção poética contemporânea?

Sim, pensei nisto, mas a atualidade do poema o coloca como uma antiforça muito acima do mercado, o mercado estaria para o poema como uma metafísica falida, obviamente existe muito narcisismo e muita exposição de lixo emocional no que é chamado de poesia contemporânea, um certo lirismo que beira o patético em sua tentativa de salvaguardar as noções mais superficiais, tais como identidade e estilo. Nossa voz é uma soma de silêncios traduzidos para um dialeto que podemos chamar de poema, neste dialeto a palavra ‘ eu ‘ é apenas lixo a ser reciclado, imagine uma operação alquímica que transformasse plástico em orvalho. A chamada poesia contemporânea viciada no eu apenas repete elementos que podem desembocar depois no culto da personalidade, por uma força de contradição que espero me ajude a evoluir, possuo uma conta no facebook, mas tento ali brincar com esta noção de eu, o eu é uma porta de saída para a natureza, uma vez nela, será ótimo atirar a chave da porta na superfície de um lago, há um texto maravilhoso de Gide, chamado ‘ Tratado de Narciso ‘ que acaba de ser lançado pela Editora Córrego, que trata bem destas questões.


Como se dá escrita que rompe com a arbitrariedade do signo da palavra e pretende migrar para o impacto da linguagem visual?

Pela exploração de outras temporalidades, outros materiais, por uma via mística do corpo como uma expansão capaz de dissolver as fronteiras entre exterioridade e interioridade, também pela exploração e imersão no surto como forma de conhecimento do mundo, pela alteridade radical.

Se a incapacidade de sair de si é o que faz o artista, por que o barulho dos egocêntricos ditam as normas da cena literária?

A covardia dita as normas da atual cena literária e também uma certa nostalgia paralisante e bajulatória. O mercado é uma força totalitária e os escritores se rendem por estarem em estado de autohipnose narcísica.

Se o exercício da poesia hoje, é algo autêntico não mais um showzinho do ego ou exposição do lixo emocional do autor. Como evitar esta armadilha quando o autor tem de se envolver na divulgação por ter seu trabalho publicado por uma pequena editora?

É necessário que exista o amor movente, creio que leituras em prisões, aldeias, acampamentos, ocupações, é imensa a importância de exercícios dialógicos de troca de experiências onde não exista o sentido do ato poético como algo exclusivo, tento fazer isto nos cursos livres que realizo em parceria com ONGs e Prefeituras. É preciso encontrar de novo o mistério de um rosto humano, a entrega paciente a afetuosa para o diálogo silencioso com um rosto humano.

Os antenados de nossos dias estão condenados a se tornarem os carrascos do futuro?

Creio que não, muitos já perceberam que existe O ABERTO, que o encontro com a alteridade é imprescindível e incancelável.

Lendo a sua produção é possível perceber um diálogo com a obra do Juliano Garcia Pessanha, mesmo assim, não é possível nenhuma transmissão de lâmpadas com escritores contemporâneos?

Sim, este diálogo existe e não apenas com Juliano Garcia Pessanha, mas com outros ‘pastores do ontológico’ que se movem em regiões de alteridade e do estranhamento, ou seja, fora da literatura, os fios das lâmpadas estão entrelaçados na paisagem, como heras que crescendo próximas, escrevem um hieróglifo num muro infinito.

Você menciona a promessa não cumprida de Gláuber Rocha de filmar Wild Palms, de Faulkner em Hollywood. Qual é a sua?

Gravar um disco de samba e me dedicar integralmente para a pintura são promessas que fiz para mim mesmo sendo você.

Escrever torna o real em mais subjetivo ou o subjetivo em acessível?

Existem ‘ n’ dimensões do real e nenhuma está livre de ser sonhada.

Se a literatura é o único discurso com poder suficiente para enfrentar a manipulação da publicidade, da mídia e dos governos, por que ela se alia a estes setores?

Por comodismo, preguiça e covardia, talvez, de qualquer modo, o lugar do poema é bem longe da literatura como ‘ função ‘ e ‘ utilidade ‘, a tendência é que o poema contínuo se torne espaço e a literatura apenas tempo.

Escrever o silêncio é o ápice da comunicação?

Comunicar o silêncio é o começo do diálogo profundo.

Como evitar que a ilusão do real nos engula?


Amar até ser capaz de sair de si e perder tudo, condição da riqueza ontológica, sonhar a vida como se ela fosse um fragmento do infinito dentro do finito. Em breve o editor amador Daniel Kairoz deve lançar pela Pharmakon o meu trabalho ‘ O LIVRO DAS ÁRVORES DENTRO DO LIVRO DOS SALMOS DENTRO DO LIVRO DOS ANJOS SEM NOME ‘ e antes disso, outro editor amador, no sentido de ‘ aquele que ama’, Eduardo Lacerda , deve lançar  pela Editora Patuá, o COM O DAIMON NO CONTRAFLUXO, são exercícios e tentativas fracassadas de amar de um modo radical pessoas que jamais irei conhecer.

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