Já vos falei daquele amigo de que não gostava, o Fernando Guerra? Era-me
francamente aborrecido. Nos primeiros tempos ainda o conseguia suportar, mas
depois era um suplício.
Morava num dos vértices do Quadrilátero. Era assim que chamava à Cidade:
um enorme quadrado plantado a meio de uma malha urbana antiquíssima. Em cada
uma das esquinas assim definidas havia um largo. O meu apartamento dava para um
desses largos. Como podem imaginar, para o lado interior espraiava-se a malha
urbana normativa e para o seu exterior…ficava o desconhecido.
O largo por onde costumava passar estava cheio de gente esquisita:
pessoas que não usavam óculos nem acreditavam na primazia da informática na
relação entre os humanos. Jogavam estranhos e complicados jogos manuais como o
dominó ou cartas (penso que existem diversos cambiantes dentro desta opção).
Normalmente, tentava passar o mais depressa possível por eles… não me confundir
com o seu estilo de vida anormal e ostracizado.
Naquele dia, porém, o Fernando estava no outro extremo do largo, como se
à minha espera. Fiquei paralisado. Não tinha escapatória. Foi então que me
lembrei de me confundir no meio daquela mole de gente para a qual nunca quis
olhar. À volta dos jogadores de dominó, distribuía-se um conjunto de mirones
que oferecia o abrigo perfeito.
Pus-me também a observar aquelas estranhas práticas. O Fernando nunca
mais desistia de me apanhar, por isso comecei a entrar em conversas e a
interessar-me pelas regras do jogo. Tive imensas saudades do meu computador que
me explica tudo rapidamente. De qualquer modo, quando o caminho finalmente
ficou livre preparei-me para sair. Foi então que alguém me abordou, assegurando
ser a minha vez de jogar.
Não estava habituado a ser coagido de forma alguma. Sempre que sentia
alguma pressão, qualquer coisa que me constrangesse de alguma forma, existiam
sempre programas informáticos para me ajudarem a resolver as questões. Aos
poucos, desabituei-me completamente de ter de resolver problemas interpessoais.
O que não estava a contar encontrar-me no meio de tanta gente ignorante de
todas as boas maneiras correspondentes à boa educação informática. Desconfio
que muitos deles nunca utilizaram um computador até hoje.
Por esses motivos e por não me saber defender, vi-me metido na embrulhada
do jogo. As pessoas em torno da mesa, riam-se suspeitosamente. Dir-se-ia que
passou a existir um ambiente competitivo.
Não sei como regressei a casa. Estava estremunhado e ébrio. Os meus
colegas de jogo insistiram que bebesse uma estranha bebida que me fez sentir
eufórico. Andei perdido pelas ruas, quando regressei a casa o computador
repreendeu-me: o meu comportamento estava completamente fora das rotinas
habituais, fui brindado com uma Anomalia Estatística – algo que me vai fazer
baixar score dos perfis dos habitantes da cidade por largos meses.
*
Os compatibilizadores: Crónicas de Narcisópolis
Rui Tinoco
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