Por
que não vou ser direta? É coisa que não devo fazer no calor do momento. Passa
pela minha própria compreensão a ideia de que você está aí, do outro lado, e
não cabe senão a si mesmo desfraldar este véu de delicadas filigranas que nos
separa. É desejo seu o auto-engano, como forma de identificar-se consigo mesmo,
este a quem ama aos pedaços, para só depois descobrir os próprios meandros da consciência
(e também a falta que dela a clareza nos faz agora). Eu vou me esforçar para,
gradualmente, deixar de ser hermética, prolixa, na medida em que você vem
desvendando os meus mistérios pela laboriosa experiência do tato. Estes simples
signos que ora esparramam-se frente as tuas vistas mais parecem um deserto.
Leia novamente e perceberás que trocaram de lugar algumas dunas. Ainda assim,
você insiste em querer apreender da minha areia mais do que consegue carregar
dela (enquanto um só grão bastaria). São as simetrias, as reflexões e os
arranjos a entorpecerem os teus sentidos. E você, fazendo deles escravos de mim
mesma, quando era para reverberarem num uníssono, despertando em oásis, flor,
vitória-régia e água cristalina. Não sou eu quem vai terminar com isso, é você
quem vai botar o ponto final – quando este for imprescindível e não houver
sombra de dúvida a rigidez do seu pinto. O mesmo que agora é vela de derreter a
minha boceta. Entre a grafia de uma única letra em caixa-alta e o fim da
sentença: casa de tudo aquilo que vale a pena. É arte milenar de juntar os
abismos, cujo vão você ainda não pode vencer de um único salto. Vai e vem
descabido. Agora você já pode clamar a minha loucura. Dos meus sonhos restaram
a maquiagem borrada, as marcas roxas no pescoço, o cabelo desgrenhado, o mais
puro devaneio. Novamente dou linha à imaginação para que flutues, tento te
elevar ao sétimo céu da minha gruta, mas você resiste. Ah, sina de criança a
brincar empinando sua pipa! O sopro que te levanta é o mesmo que me imprensa.
Aceita, meu amigo, humildemente a ideia de que você mesmo está deserto, e posso
ser eu este seu oásis. Para constatar, enfim, a resposta a tua pergunta. Aquela
que você mesmo se fez tímido, enquanto sussurrava ao meu ouvido: Posso fazer
amor contigo?
Nota: Prosa submetida ao 24º Concurso de
Prosa e Poesia da Academia de Letras de São João da Boa Vista sob o pseudônimo
de Andréa Beltrão.
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