Anderson Fonseca nasceu no Rio de
Janeiro, em 1981, reside no Ceará desde 2011, onde atua como professor de
Língua Portuguesa e redação, ele é autor dos livros Notas de Pensamentos incomuns (2011), O que eu disse ao general (Oitava Rima, 2014), neste ano relança Sr. Bergier e outras histórias (Penalux).
Organizador da antologia – Panorama do
conto Brasileiro contemporâneo (2013), ele é também um dos editores da
revista de contos Flaubert.
Anderson, o tema do duplo é um dos
principais fios condutores desta obra, aparecendo nos contos Sr. Bergier, O Sonho e a Máquina. Quais
obras lidas por ti despertaram o interesse pelo tema? E por que ele lhe é tão
caro?
O escritor é um obsessivo, persegue
o tema até não lhe restar mais nada. Eu sou, por natureza, obsessivo. Jorge
Luís Borges era obsessivo pelo tempo, o duplo, o espelho, e, a leitura de suas
obras, em especial, O Aleph, contaminou-me com essa ideia. Depois dele, Dino
Buzzati e Guy de Maupassant. Desde a leitura de suas narrativas, tornou-se
minha obsessão o duplo, tanto no realismo mágico quanto nas ciências naturais.
As escritoras Márcia Barbieri e
Angela Calou junto com o crítico e também escritor Sérgio Tavares se referem a
você como um representante da literatura fantástica. Numa época onde o apego à
razão tem sido demonstrado por ações violentas, como você encara este posto de
guardião da fantasia?
O cartesianismo é uma filosofia
fracassada. Apesar desta afirmação ser passível de severas críticas,
considero-a uma verdade. A racionalização leva a separação do homem do universo
onde se encontra incluso: do trabalho à arte. E o que é o homem? Um cosmos
miniaturizado em um espaço de três dimensões. Ele está conectado a tudo; não
está separado. No entanto, a filosofia cartesiana que define a modernidade,
cindiu o elo e a alma foi separada do corpo – este elemento natural. O realismo
mágico é um meio de perceber a conexão oculta que permeia todo o universo. É ver no fantástico algo do natural. Ela nos permite olhar
o mundo como uma extensão de nós mesmos, ou nós como uma extensão desse mundo.
Ser, então, um continuador do
realismo mágico brasileiro, que tem seus representantes como Murilo Rubião,
Moacyr Scliar e Péricles Prade, é prazeroso. Nossa realidade chega a ser tão
absurda que o fantástico nos aproxima mais de entender os mecanismos do real do
que a própria descrição objetiva da realidade. Nem mesmo Machado de Assis
deixou-se levar por completo pelo realismo, sua obra “Memórias Póstumas de Brás
Cubas” é mais fantástica do que realista.
Um dos maiores estudiosos do
realismo mágico brasileiro foi Nilto Maciel. Alguns dias antes de sua morte,
Nilto enviou-me sua obra que abordava de forma minuciosa e atenta o realismo
mágico. Por e-mail, Nilto lamentou a não inclusão do meu trabalho em sua
publicação. Ele, outro continuador do fantástico na literatura brasileira, já
tinha conhecimento de meu trabalho. É claro, estava como ainda estou no inicio
dessa produção, não há, portanto, como traçar uma linha sobre o que escrevo,
mas honrou-me ele com a lembrança.
Sr Bergier e outras histórias é
repleto de citações a ciência e ao misticismo, chama a atenção o conto O bibliotecário, pois nele um
funcionário transformado em autômato pela rotina é chamado a refletir se
aproveitou para extrair algo do espaço em que trabalhou por mais de 30 anos. A realidade está à frente da
imaginação quando o tema é o encontro do fantástico com o absurdo?
Nada é mais absurdo que a
realidade. Se lermos um pouco sobre física quântica, ficamos de cabelos em pé.
Mundos paralelos, o futuro ser a causa do passado, universos holográficos,
transplante de mentes, etc. Tudo nos parece obras de ficção científica, mas são
todas igualmente possíveis e reais. No entanto, quando ignoramos essa parte da
ciência e nos voltamos para o cotidiano, o absurdo se revela em ações,
escolhas, comportamentos. Esse conto, por exemplo, tirei da experiência de ir a
biblioteca e perceber que o bibliotecário não conhecia os próprios livros com
os quais trabalhava. O mesmo se dá com o carteiro que me entrega livros
mensalmente, ele nunca se perguntou o que carrega consigo.
Outro tema presente na obra é o
controle das informações, como por exemplo, nos contos The New York Times e Babel. Ainda estamos falando do universo
fantástico?
Sim, estamos. Ambos os contos
discutem nossa confiança na tecnologia, na informação. A pergunta que deixo é:
E se a confiança for destruída? O que surge é o medo, o controle, a insegurança...
o desconhecido. E isso é absurdamente fantástico.
A estilística aplicada em O que eu disse ao general e em Sr. Bergier e outras histórias é bem
distinta. Como contemplar a diversidade dentro do fazer artístico sem causar
perda na singularidade da sua voz como escritor?
Eu leio com frequência apenas dois
autores: Horácio Quiroga e Dino Buzzati, além da Bíblia e obras de ciência.
Creio que se deve a isso, a permanência de um estilo. A leitura, se frequente,
de outras obras e autores, poderia contaminar e lançar-me a outra escrita. Não
vejo isso como ruim, mas opto por dialogar com minhas influências.
Sinfonia e Pétala presentes em seus dois últimos lançamentos, são textos singulares,
por darem vazão a uma escrita que associa a narrativa com a poética, dentro das
suas mudanças estilísticas há planos para uma obra com este veio para o futuro?
Sinceramente, não sei. Penso, às
vezes, em publicar um livro de parábolas, justamente com este estilo. Mas não
dou certeza. Para mim tudo depende do momento.
Você foi um dos últimos autores a
terem um texto lido pelo Antônio Abujamra, no programa Provocações, como isso te afetou?
Até hoje me sinto feliz pela
recepção, leitura e surpresa com que me presenteou Abujamra. Ele leu o conto
Primavera na noite em que há o golpe militar no Brasil, no dia 31 de março. A
sensibilidade dele era tamanha que percebeu que a obra era uma crítica ao abuso
do poder, a transformação que a criação e uso da arma trouxeram à sociedade.
Abujamra era o leitor que qualquer autor deseja: sensível à obra.
O seu livro O que eu disse ao general traz reflexões políticas apartidárias
sobre diversos líderes mundiais. Você o considera mais atual agora do que
quando lançado em 2014?
Depois do impedimento da presidente
Dilma Rousseff, depois da tentativa de golpe na Turquia, depois de Donald
Trump, dos ataques na França, da violência no Rio de Janeiro,... Sim, o livro é
atemporal.
No conto Sr. Bergier você utiliza o gênero carta pessoal na construção
textual, você enxerga meio de usar as formas de comunicação do nosso tempo com
a mesma eficácia do gênero epistolar?
Não
sei. Depende muito do argumento. Por exemplo, um diário de bordo talvez
servisse para um conto que se passa no futuro. Uma conversa de WhatsApp poderia
ser simulada num conto em que dois homens tramam um assassinato, ao mesmo tempo
em que a vítima narra sua morte para uma testemunha oculta.
Anderson, para finalizarmos nosso
bate-papo, por que ler a literatura de Anderson Fonseca?
É
estranho falar de si na terceira pessoa, porque não vejo diferença entre mim e
minha obra até o momento em que toco no objeto livro.
Leia meus livros porque são
pequenos objetos (diminutos no tamanho e no volume) que concentram em si
reflexões e antecipações sobre o mundo. Leia-os porque são o reflexo de uma
alma conturbada questionando seu tempo. Leia-os porque são a possibilidade do impossível,
o absurdo naturalizado.
Apenas por isso.
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