domingo, 24 de julho de 2016

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ENTREVISTA COM O ESCRITOR ANDERSON FONSECA


Anderson Fonseca nasceu no Rio de Janeiro, em 1981, reside no Ceará desde 2011, onde atua como professor de Língua Portuguesa e redação, ele é autor dos livros Notas de Pensamentos incomuns (2011), O que eu disse ao general (Oitava Rima, 2014), neste ano relança Sr. Bergier e outras histórias (Penalux). Organizador da antologia – Panorama do conto Brasileiro contemporâneo (2013), ele é também um dos editores da revista de contos Flaubert.

Anderson, o tema do duplo é um dos principais fios condutores desta obra, aparecendo nos contos Sr. Bergier, O Sonho e a Máquina. Quais obras lidas por ti despertaram o interesse pelo tema? E por que ele lhe é tão caro?

O escritor é um obsessivo, persegue o tema até não lhe restar mais nada. Eu sou, por natureza, obsessivo. Jorge Luís Borges era obsessivo pelo tempo, o duplo, o espelho, e, a leitura de suas obras, em especial, O Aleph, contaminou-me com essa ideia. Depois dele, Dino Buzzati e Guy de Maupassant. Desde a leitura de suas narrativas, tornou-se minha obsessão o duplo, tanto no realismo mágico quanto nas ciências naturais.

As escritoras Márcia Barbieri e Angela Calou junto com o crítico e também escritor Sérgio Tavares se referem a você como um representante da literatura fantástica. Numa época onde o apego à razão tem sido demonstrado por ações violentas, como você encara este posto de guardião da fantasia?

O cartesianismo é uma filosofia fracassada. Apesar desta afirmação ser passível de severas críticas, considero-a uma verdade. A racionalização leva a separação do homem do universo onde se encontra incluso: do trabalho à arte. E o que é o homem? Um cosmos miniaturizado em um espaço de três dimensões. Ele está conectado a tudo; não está separado. No entanto, a filosofia cartesiana que define a modernidade, cindiu o elo e a alma foi separada do corpo – este elemento natural. O realismo mágico é um meio de perceber a conexão oculta que permeia todo o universo. É ver no fantástico algo do natural. Ela nos permite olhar o mundo como uma extensão de nós mesmos, ou nós como uma extensão desse mundo.
Ser, então, um continuador do realismo mágico brasileiro, que tem seus representantes como Murilo Rubião, Moacyr Scliar e Péricles Prade, é prazeroso. Nossa realidade chega a ser tão absurda que o fantástico nos aproxima mais de entender os mecanismos do real do que a própria descrição objetiva da realidade. Nem mesmo Machado de Assis deixou-se levar por completo pelo realismo, sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é mais fantástica do que realista.
Um dos maiores estudiosos do realismo mágico brasileiro foi Nilto Maciel. Alguns dias antes de sua morte, Nilto enviou-me sua obra que abordava de forma minuciosa e atenta o realismo mágico. Por e-mail, Nilto lamentou a não inclusão do meu trabalho em sua publicação. Ele, outro continuador do fantástico na literatura brasileira, já tinha conhecimento de meu trabalho. É claro, estava como ainda estou no inicio dessa produção, não há, portanto, como traçar uma linha sobre o que escrevo, mas honrou-me ele com a lembrança. 

Sr Bergier e outras histórias é repleto de citações a ciência e ao misticismo, chama a atenção o conto O bibliotecário, pois nele um funcionário transformado em autômato pela rotina é chamado a refletir se aproveitou para extrair algo do espaço em que trabalhou por mais  de 30 anos. A realidade está à frente da imaginação quando o tema é o encontro do fantástico com o absurdo?

Nada é mais absurdo que a realidade. Se lermos um pouco sobre física quântica, ficamos de cabelos em pé. Mundos paralelos, o futuro ser a causa do passado, universos holográficos, transplante de mentes, etc. Tudo nos parece obras de ficção científica, mas são todas igualmente possíveis e reais. No entanto, quando ignoramos essa parte da ciência e nos voltamos para o cotidiano, o absurdo se revela em ações, escolhas, comportamentos. Esse conto, por exemplo, tirei da experiência de ir a biblioteca e perceber que o bibliotecário não conhecia os próprios livros com os quais trabalhava. O mesmo se dá com o carteiro que me entrega livros mensalmente, ele nunca se perguntou o que carrega consigo.

Outro tema presente na obra é o controle das informações, como por exemplo, nos contos The New York Times e Babel. Ainda estamos falando do universo fantástico?

Sim, estamos. Ambos os contos discutem nossa confiança na tecnologia, na informação. A pergunta que deixo é: E se a confiança for destruída? O que surge é o medo, o controle, a insegurança... o desconhecido. E isso é absurdamente fantástico.

A estilística aplicada em O que eu disse ao general e em Sr. Bergier e outras histórias é bem distinta. Como contemplar a diversidade dentro do fazer artístico sem causar perda na singularidade da sua voz como escritor?

Eu leio com frequência apenas dois autores: Horácio Quiroga e Dino Buzzati, além da Bíblia e obras de ciência. Creio que se deve a isso, a permanência de um estilo. A leitura, se frequente, de outras obras e autores, poderia contaminar e lançar-me a outra escrita. Não vejo isso como ruim, mas opto por dialogar com minhas influências.

Sinfonia e Pétala presentes em seus dois últimos lançamentos, são textos singulares, por darem vazão a uma escrita que associa a narrativa com a poética, dentro das suas mudanças estilísticas há planos para uma obra com este veio para o futuro?

Sinceramente, não sei. Penso, às vezes, em publicar um livro de parábolas, justamente com este estilo. Mas não dou certeza. Para mim tudo depende do momento.

Você foi um dos últimos autores a terem um texto lido pelo Antônio Abujamra, no programa Provocações, como isso te afetou?

Até hoje me sinto feliz pela recepção, leitura e surpresa com que me presenteou Abujamra. Ele leu o conto Primavera na noite em que há o golpe militar no Brasil, no dia 31 de março. A sensibilidade dele era tamanha que percebeu que a obra era uma crítica ao abuso do poder, a transformação que a criação e uso da arma trouxeram à sociedade. Abujamra era o leitor que qualquer autor deseja: sensível à obra.

O seu livro O que eu disse ao general traz reflexões políticas apartidárias sobre diversos líderes mundiais. Você o considera mais atual agora do que quando lançado em 2014?

Depois do impedimento da presidente Dilma Rousseff, depois da tentativa de golpe na Turquia, depois de Donald Trump, dos ataques na França, da violência no Rio de Janeiro,... Sim, o livro é atemporal.

No conto Sr. Bergier você utiliza o gênero carta pessoal na construção textual, você enxerga meio de usar as formas de comunicação do nosso tempo com a mesma eficácia do gênero epistolar?

Não sei. Depende muito do argumento. Por exemplo, um diário de bordo talvez servisse para um conto que se passa no futuro. Uma conversa de WhatsApp poderia ser simulada num conto em que dois homens tramam um assassinato, ao mesmo tempo em que a vítima narra sua morte para uma testemunha oculta.

Anderson, para finalizarmos nosso bate-papo, por que ler a literatura de Anderson Fonseca?

 É estranho falar de si na terceira pessoa, porque não vejo diferença entre mim e minha obra até o momento em que toco no objeto livro.
Leia meus livros porque são pequenos objetos (diminutos no tamanho e no volume) que concentram em si reflexões e antecipações sobre o mundo. Leia-os porque são o reflexo de uma alma conturbada questionando seu tempo. Leia-os porque são a possibilidade do impossível, o absurdo naturalizado.
Apenas por isso.





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